29 de março de 2024
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MPF reabre investigações do caso Vladimir Herzog

MPF reabre investigações do caso Vladimir Herzog

O Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) reabriu as investigações do caso Vladimir Herzog, jornalista torturado e morto em 1975, aos 38 anos. O inquérito foi retomado depois que a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos condenou o Estado brasileiro no caso.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede na Costa Rica, faz parte da Organização dos Estados Americanos (OEA) e suas resoluções são de acatamento obrigatório para os países que reconheceram sua jurisprudência.

Na tarde desta segunda-feira (30), procuradores da República, integrantes do Centro de Justiça e Direito Internacional (Cejil), Clarice e Ivo Herzog, realizaram uma coletiva na sede da TV Cultura, onde o jornalista foi diretor, para explicar o processo debatido na Corte e as tentativas jurídicas recorridas pela família por Justiça desde o crime.

“Essa sentença é histórica porque a Corte considerou que a ditadura militar no Brasil ocorreu dentro de um contexto de crime contra a humanidade. Isso coloca o Brasil em um lugar onde só outros sete países do continente tiveram sentenças similares. Não é simples. Para comprovar isso foi bastante delicado, são requisitos específicos, explícitos e restritos”, disse Beatriz Affonso, cientista política e diretora do Cejil.

De acordo com o procurador Sergio Suiama, convidado pelo Cejil para atuar como perito na Corte, o MPF-SP reabriu as investigações depois que o tribunal internacional determinou que os fatos ocorridos contra o jornalista foram um crime contra a humanidade.

“Esta sentença da Corte Interamericana não é uma recomendação, não é um parecer, não é uma sugestão, não é um pedido. É uma determinação judicial de um orgão jurisdicional ao qual o Brasil está vinculado e o Ministério Público Federal de São Paulo tem feito a sua parte – o caso Herzog foi reaberto. Há uma investigação atualmente em andamento. Agora esperamos que o Judiciário tenha uma nova postura em relação aos casos, uma vez que a maior parte deles está paralisada por ordens de difervas instâncias do Poder Judiciário”, disse.

“Esse caso é atípico em relação aos outros que envolveram mortos e desaparecidos porque houve um inquérito militar, ainda que tenha sido montado uma farsa de modo que parecesse suicídio. Houve um inquérito para justificar o que houve, ou seja, deixaram rastros que facilitam o trabalho do Ministério Público”, disse o procurador.

A reabertura só foi possível porque o caso foi catalogado dessa forma – crime contra a humanidade. Assim, a Corte determina que o Estado não invoque nem a existência da prescrição, nem a aplicação do princípio da lei de anistia para evitar a investigação e punição dos responsáveis pelos crimes contra Herzog.

Os documentos do caso estavam em Brasília e o inquérito estava suspenso a pedido do MPF-SP, aguardava a decisão da Corte Interamericana sobre o caso. Como saiu a condenação, a documentação foi enviada para São Paulo, onde a procuradora responsável pelo caso, vai instaurar formalmente o novo procedimento investigatório criminal (PIC, investigação feita pelo MP, sem polícia) para apurar o caso.

Os crimes mais graves que o Direito Internacional considera, segundo a convenção de Genebra são: crimes contra a humanidade, o genocídio e os crimes de guerra. Esses crimes não devem ficar impunes e não se submetem à Lei de Anistia, normas de prescrição etc.

No caso da ditadura no Brasil, os crimes são considerados contra a humanidade por ter configurado perseguição sistemática do Estado contra seus próprios cidadãos.

A sentença da Corte, de acordo com a cientista Beatriz Affonso, não se restringe a Vladimir Herzog. “A Corte entendeu que todas as violações praticadas pelos militares e civis a mando da ditadura militar de 1964 a 1985 ocorreram nesse contexto de crime contra a humanidade. A dúvida do conceito já não está sobre a mesa”, disse.

“De uma forma bastante importante a se compartilhar, a defesa do Estado organizada pela Advocacia Geral da União (AGU), utilizou ainda, no âmbito da Comissão Interamericana, o atestado de óbito como recurso de defesa, aviltando a possibilidade de suicídio ainda em 2013. Foi bastante impactante para todos nós que o Estado tenha utilizado isso como defesa, ainda que tivesse reconhecido que a responsabilidade era dele”, continuou.

Após a decisão o ministério dos Direitos Humanos se comprometeu a aprimorar as investigações. “Consideramos que a sentença da Corte IDH, ainda que condenatória ao Estado brasileiro, representa uma oportunidade para reforçar e aprimorar a política nacional de enfrentamento à tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, assim como em relação à investigação, processamento e punição dos responsáveis pelo delito”, diz nota do ministério.

O caso – O caso remonta a 24 de outubro de 1975, quando Vladimir Herzog, de 38 anos, se apresentou para depor voluntariamente diante das autoridades militares do DOI/CODI de São Paulo. No entanto, o jornalista foi preso, interrogado, torturado e assassinado em um contexto sistemático e generalizado de ataques contra a população civil considerada “opositora” à ditadura brasileira, e, em particular, contra jornalistas e membros do Partido Comunista Brasileiro, segundo o processo.

O Exército determinou a abertura de um inquérito militar, ainda durante a ditadura, conduzido pelas próprias Forças Armadas. As autoridades da época informaram que se tratou de um suicídio, uma versão contestada pela família do jornalista e no processo.

No ano seguinte, em 1976, os familiares apresentaram uma ação civil na Justiça Federal que desmentiu a versão do suicídio e, sim decorrente de torturas e homicídio. Em 1978, no início das discussões da Lei de Anistia, o Estado reconheceu não houve suicídio, mas homicídio. Foi determinado que fosse instaurada uma investigação criminal, mas o Ministério Público à época não instaurou.

Em 1992, a revista Isto É Senhor publicou uma entrevista com um dos agentes da repressão que declarava ter sido o interrogador de Vladimir Herzog. O Ministério Público do Estado de São Paulo requisitou uma investigação policial em esfera estadual, mas o Tribunal de Justiça considerou que a Lei de Anistia era um obstáculo para investigar.

Em 2007, o assunto começou a ser reexaminado sob a ótica do Direito Internacional, de crimes contra a humanidade, que invalidava a decisão em nível estadual, de arquivar o processo. Em 2008, contudo, o caso foi arquivado por prescrição.

Está é a quarta tentativa que a família empreende por Justiça. No marco do procedimento diante da CorteIDH, o Brasil reconheceu que a conduta estatal de prisão arbitrária, tortura e morte de Vladimir Herzog tinha causado aos familiares uma severa dor, reconhecendo sua responsabilidade.

O tribunal internacional ordenou ao Estado brasileiro que reinicie, com a devida diligência, a investigação e processo penal que corresponda pelos fatos ocorridos em 25 de outubro de 1975 para identificar, processar e, no seu caso, sancionar os responsáveis pela tortura e assassinato de Vladimir Herzog.

Além disso, deve adotar as medidas mais idôneas para que se reconheça a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade e crimes internacionais, assim como pagar os danos materiais, imateriais e despesas judiciais.

Foto: Reprodução TV Globo




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