24 de novembro de 2024
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MPs requerem nulidade do contrato e suspensão da obra do BRT de Salvador

MPs requerem nulidade do contrato e suspensão da obra do BRT de Salvador

O Ministério Público Federal na Bahia (MPF/BA) e o Ministério Público do Estado da Bahia (MP/BA) ajuizaram nessa terça-feira (12), ação civil conjunta contra a União, a Caixa Econômica Federal, o município de Salvador, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) e o Consórcio BRT Salvador. Os MPs requerem a declaração de nulidade do contrato firmado entre a Prefeitura Municipal de Salvador e o Consórcio BRT/Salvador e, liminarmente, a suspensão imediata das obras do BRT (Bus Rapid Transit ou Transporte Rápido por Ônibus, em tradução literal) na capital baiana.

As obras do BRT foram iniciadas em 29 de março e, segundo informações da prefeitura, já contam com mais de R$ 600 milhões em recursos federais para a implantação dos dois primeiros trechos, que vão ligar o Shopping da Bahia ao Loteamento Cidade Jardim e o Loteamento Cidade Jardim à Estação da Lapa. O primeiro trecho, com extensão de 2,9 km e previsão de entrega em 28 meses, está a cargo do Consórcio BRT Salvador e tem o custo estimado entre R$ 68,3 milhões e R$ 117 milhões por quilômetro construído. A estimativa torna a obra a mais cara entre as capitais brasileiras que já instalaram ou estão instalando este modal, chegando a custar o triplo em relação às demais.

De acordo com a ação, assinada pelos procuradores da República Bartira de Araújo Góes e Leandro Bastos Nunes e pelos promotores de Justiça Heron José de Santana Gordilho e Patrícia Kathy Azevêdo Medrado Alves Mendes, o empreendimento descumpre inúmeras exigências legais. Entre elas são destacadas: ausência de Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV); ausência de Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA); ausência de projeto de mobilidade; ausência de significativa participação da população e das associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o pleno exercício da cidadania, como determina a gestão democrática estabelecida no Estatuto da Cidade; ausência de ampla publicidade de todo o procedimento licitatório, mediante veiculação no sítio eletrônico oficial; ausência de fundamentação para a adoção do Regime de Contratação Integrada; inexistência de Plano de Mobilidade – instrumento de efetivação da Política Nacional de Mobilidade Urbana –, obrigatório para municípios com mais de 20 mil habitantes; e inexistência das outorgas para uso do corpo hídrico.

Segundo os MPs, não foram apresentados dados claros de como e quais problemas de mobilidade urbana seriam resolvidos pelo modal, como índices de congestionamento, estatísticas de acidentes e de eventos de risco; como também não foram apontadas fontes de custeio, previsão de custos ou documentos equivalentes a fim de determinar a viabilidade operacional, técnica, econômica, financeira e tarifária do empreendimento.

Na ação, os procuradores e promotores consideram, ainda, que o projeto está em desacordo com o urbanismo moderno, que prevê menos facilidade para o veículo particular e mais acesso para o veículo coletivo, ciclovias, e o transporte sobre trilhos, não tendo sido identificados estudos técnicos por parte da Prefeitura de Salvador a respeito de outros modais de transporte, cuja implementação propiciasse um sistema moderno e eficiente de transporte público.

Ausência de participação popular – Antes do início das obras, foi realizada apenas uma audiência pública pela Prefeitura de Salvador, que foi divulgada somente 11 dias antes, desrespeitando a antecedência legal de 45 dias. Segundo a ação, no encontro foram somente comunicados os detalhes do projeto à pequena parcela dos interessados presentes, não servindo como uma oportunidade de real debate sobre a escolha do modal ou dos trajetos. Em outros encontros organizados pelo MP/BA e pela Organização dos Advogados do Brasil (OAB/BA) também não foi possibilitado real envolvimento da população nas decisões.

Os questionamentos populares ao projeto e a falta de espaço para o debate motivaram a criação de um abaixo-assinado disponível na internet que já conta com mais de 71 mil assinaturas. Os participantes argumentam que haverá derrubada de árvores e prejuízo à paisagem urbanística; que é um trecho desnecessário, pois já é atendido pelo metrô; e que envolverá o tamponamento de dois rios. A ação aponta, ainda, que houve diversas manifestações públicas de professores e técnicos em urbanismo demonstrando que o projeto do BRT está defasado e não atende satisfatoriamente às necessidades da população.

Prejuízos ambientais – Segundo a ação, o consequente tamponamento dos rios Lucaia (responsável pela drenagem de extensa área da cidade) e Camarajipe e a supressão de significativa área verde da cidade, com a derrubada de árvores de grande porte, devem provocar alterações no microclima, elevação de temperatura, alterações no regime de chuvas, alagamentos devido à falta de superfícies permeáveis, comprometendo a qualidade de vida e a saúde pública.

De acordo com a Lei Estadual nº 11.612/2009, intervenções que possam alterar a quantidade, a qualidade ou o regime das águas superficiais ou subterrâneas, ou que alterem canais ficam sujeitos à outorga de direito de uso de recursos hídricos, feita pelo Inema. Segundo a ação, o próprio empreendimento prevê 7,8% dos gastos de 2018 para macrodrenagem, ou seja, para intervenções que visam justamente alterar o uso do corpo hídrico dos dois rios mencionados. Apesar disso, em 31 de janeiro de 2018, o Inema emitiu o “Certificado de Inexigibilidade de Outorga” nº 2018.001.000008 ao Consórcio BRT/Salvador, em que considera que as obras não irão interferir no curso dos rios.

As obras, portanto, foram iniciadas sem que o Inema concedesse a outorga necessária, que deveria ter sido baseada em análise do projeto e dos estudos que indicassem quais os reais níveis de alteração do regime hídrico.

Contratação irregular – O processo licitatório do BRT foi feito por meio do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC, previsto na Lei nº12.462/2011), que possibilita a contratação do Projeto Básico, do Projeto Executivo e Execução da obra conjuntamente, numa mesma licitação. Porém, a necessidade do RDC não foi fundamentada nem no edital de licitação e nem no respectivo termo de referência de contratação das obras do BRT, o que contraria a Lei nº12.462/2011.

Para o RDC, seria necessário, ainda, o Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) – que deve anteceder e integrar o projeto, comprovando que o empreendimento é a melhor solução para a finalidade buscada. Porém, o estudo não foi apresentado, apesar de cobrado exaustivamente em sucessivas reuniões ocorridas na sede do MPF/BA e em audiência pública ocorrida em 22 de maio no auditório do Ministério Público Estadual.

Inexistência de Plano de Mobilidade Urbana Municipal – A capital baiana ainda não conta com um Plano de Mobilidade Urbana, previsto na Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/2012), o que impede o município de receber recursos federais voltados a esse fim. Assim, enquanto o Plano de Mobilidade Urbana de Salvador não for efetivamente elaborado e entrar em vigor, o Ministério das Cidades não poderá fazer os repasses ao empreendimento do BRT/Salvador, por meio da Caixa.

Ainda na Lei nº 12.587/2012, é previsto que os municípios que descumprirem o prazo previsto para elaboração do Plano de Mobilidade Urbana ficarão impedidos de receber recursos federais destinados à mobilidade urbana até que seja elaborado o plano. Assim, enquanto o plano não for efetivamente elaborado e entrar em vigor, a União não poderá fazer os repasses prometidos ao empreendimento do BRT/Salvador por meio da Caixa – utilizando orçamentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Trechos já cobertos pelo metrô – Os estudos de demanda do transporte BRT foram realizados em 2013, quando o metrô ainda não estava em funcionamento na capital baiana. Já implantado, o modal liga os mesmos destinos dos trechos iniciais do BRT/Salvador, o que evidencia que a demanda existente em 2013 para justificar o projeto, muito provavelmente, foi diminuída com o metrô. Por esse motivo, os MPs apontam que deveriam ser elaborados novos estudos levando em consideração este novo cenário de mobilidade.

Pedidos – Além da suspensão das obras, os MPs requerem, liminarmente: que a União e a Caixa se abstenham de fazer novos repasses à Prefeitura de Salvador; que a Prefeitura de Salvador se abstenha de emitir quaisquer novas licenças ou solicitar outorgas de uso do corpo hídrico para intervenções ou tamponamento dos rios abrangidos pela obra do BRT/Salvador; que sejam imediatamente suspensos todos os efeitos do “Certificado de Inexigibilidade de Outorga” nº 2018.001.000008, emitido pelo Inema, e que o instituto se abstenha de fornecer qualquer nova outorga ou dispensa de outorga para macrodrenagem ou tamponamento dos rios Lucaia e Camarajipe para o BRT/Salvador; sob pena de multa diária no valor de R$ 100 mil, no caso de descumprimento de quaisquer das obrigações.

Na ação, os MPs requerem, ainda, que:

a) a Prefeitura Municipal de Salvador e o Consórcio BRT/Salvador: apresentem a declaração de nulidade da Licença Prévia (Resolução Comam 03/2014) concedida à Prefeitura de Salvador para as obras do BRT (Estação Lapa-Iguatemi) e todas as outras que se seguirem referentes à obra BRT/Salvador; procedam à reparação da degradação ambiental causada pelas obras já iniciadas, devendo apresentar, no prazo de 30 dias, plano de recuperação da área degradada (PRAD) ao órgão ambiental competente, para que se proceda à análise e, após sua aprovação, fiscalize todas as etapas de recuperação da área deteriorada;

b) a Prefeitura Municipal de Salvador realize EIV, EVTEA e Estudo de Demanda de Passageiros considerando o novo cenário em Salvador, com o funcionamento do Metrô ligando os mesmos destinos; realize nova licitação, após a apresentação e discussão do projeto, adequando o projeto às necessidades técnicas exigíveis para o caso e observando o correto licenciamento ambiental; e estabeleça canais de efetiva comunicação entre a prefeitura e a população;

c) a União e a Caixa, caso contestem a ação, fiscalizem efetivamente a execução dos convênios firmados para financiamento do BRT/Salvador e recomponham, junto aos outros acionados, integralmente os danos ambientais perpetrados tratados na presente ação, dentre outros.




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