O solo rachado, os mitos do mato e o silêncio do sertão envolvem histórias que estão entre “Céus e Terra”, título do novo livro de Franklin Carvalho, autor baiano que está entre os vencedores do Prêmio São Paulo de Literatura. A obra foi considerada o melhor romance de 2016 entre os escritores estreantes com mais de 40 anos.
Para os jurados, o enredo trouxe à tona um realismo fantástico, onde as “forças da natureza irreversíveis se recriam e ultrapassam os eventos humanos”. De fato, uma síntese da história que envolve os mistérios entre a vida e a morte. “É um livro sobre as economias da vida e da morte. Se fala sobre as dificuldades, sobre os choques, sobre os lutos”, detalha Carvalho.
Tudo se desenrola na década de 1970, no município de Araci, que fica no nordeste baiano. É neste período que uma criança morre decapitada em um acidente e como alma passa a ouvir o que as pessoas pensam sobre os mistérios entre os céus e a terra.
Embora tenha tentado fugir de referências autobiográficas, Carvalho confessa que a inspiração para o enredo partiu de uma inquietação permanente com a morte e com a religião. Como pano de fundo estão algumas lembranças da infância em Araci, especialmente após a perda do pai, quando tinha apenas seis anos de idade (1974).
Nessa relação entre a religião e a morte, Carvalho enxerga um cruzamento permanente entre a fé, os mitos, as superstições e os falsos moralismos.
Quando se volta à década de 1970, o autor se lembra da forte tradição católica do município de Araci, que durante décadas se manteve quase que impenetrável a outras correntes de espiritualidade.
“O catolicismo tradicional se marcou muito e as religiões africanas e indígenas ficaram marginalizadas, muito por conta da falta de demanda por mão de obra que existia no sertão. As práticas dessas outras religiões eram recorridas em segredo e chamadas de curandeirismo”.
Carvalho avalia que as histórias ouvidas por Galego – menino morto que é o personagem central do livro que se passa há mais de 40 anos -, revelam muito sobre os nossos dias.
“Fazendo uma reflexão, ainda estamos em 1974. Enxergamos isso nas nossas concepções, nos moralismos, na situação econômica. Não por acaso, esse livro vem nessa fase que atravessamos. Hoje, temos refletido sobre coisas que supúnhamos que eram passadas”.
Antes do livro “Céus e Terra” (2016), Franklin Carvalho já tinha lançado uma obra de contos urbanos chamada “Câmara e Cadeia” (2004), além do livro “Encourado” (2009), que é conto sobre um vampiro no sertão.
Em outubro deste ano, ele foi um dos convidados da Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica), no recôncavo baiano. Por coincidência, compôs uma mesa ao lado da escritora paulista e radicada em João Pessoa (PB) Maria Valéria Rezende, que também no Prêmio São Paulo de Literatura deste ano sagrou-se ganhadora na categoria Melhor Livro do Ano, com a obra “Outros Cantos”.
“A Flica mais uma vez sinalizou que está antenada com a literatura brasileira. Ela teve a felicidade de pegar dois autores que estão se projetando, antes mesmo da premiação em São Paulo”, disse Carvalho.
Sobre os concorrentes na categoria de estreantes com mais de 40 anos, o escritor disse que enxergou algo em comum entre as obras. “Eu concorri com outras 55 pessoas. Cinco passaram para a final. Li esses cinco. Me parece que todos têm uma capacidade muito grande de narrar o Brasil. Nenhum de nós se esquivou de falar das memórias, da ditadura, dos moralismos. Não se houve pudor em retratar o Brasil”.