Olhos atentos, marejados, as mãos erguidas e um sorriso que emocionava. Eram as marcas dos milhares de fiéis em frente à Basílica do Senhor do Bonfim. Eles aguardavam o cortejo, e pouco depois do meio dia, os fogos já anunciavam a chegada da imagem, seguida da procissão, que partiu da Igreja da Conceição, oito quilômetros distante dali. Baianos e turistas de todas as crenças se uniram e aplaudiram a imagem na maior festa religiosa da Bahia – a Lavagem do Bonfim.
As bênçãos foram dadas pelo reitor da Basílica, cônego Edson Menezes da Silva, que destacou a importância do combate à intolerância em todas as esferas. “Temos que difundir a solidariedade, a reconciliação e as relações interpessoais. Cada um pode contribuir e lutar por um mundo melhor, fazendo o bem”, destacou durante a missa.
Mesmo sem conseguir acompanhar o cortejo há dois anos, a baiana de acarajé Denise de Oliveira de Almeida, 58 anos, faz questão de subir a Colina Sagrada e aguardar a chegada da procissão. “Sou do axé e, na nossa religião, o Senhor do Bonfim é Oxalá. Tenho que fazer as obrigações aqui. Trago a minha água e me junto às outras baianas para lavar a escadaria”.
Pela primeira vez participando das comemorações, os paulistanos estavam encantados com a quantidade de pessoas presentes à festa. “Nunca vi tanta fé junta, é muita união e muita gente”, disse o engenheiro Carlos Oliveira, 34 anos. “O que mais me encantou foi ver que aqui tem gente de todas as idades, de crianças de colo a idosos”, acrescentou a namorada de Carlos, a professora, Aline Rodrigues, 28 anos.
No auge dos 76 anos, a aposentada Maria de Lourdes Santos veio de Ilhéus, no Sul da Bahia, para participar da Lavagem do Bonfim. “Venho sempre que posso. Acho linda a parte religiosa. Tem muita fé e devoção e quero participar desse momento”, contou.
Fitinhas do Bonfim – Uma das marcas da Lavagem é a cortina de fitinhas do Bonfim que se forma com cada uma que é amarrada pelos fiéis no gradil da igreja. Também conhecida como medida do Bonfim, as fitinhas medem 47 centímetros de comprimento, a medida do braço direito da estátua de Jesus Cristo, Senhor do Bonfim. A “medida” era confeccionada em seda, com o desenho e o nome do santo bordados à mão e o acabamento feito em tinta dourada ou prateada.
Ajoelhado na grade em frente à Basílica, o assistente de pessoal Edson Cruz dos Santos, 53 anos, amarrava uma dessas fitas, representando as orações apresentadas ao santo. “Venho todos os anos que posso para agradecer pelo ano que passou e pedir saúde e força para mais um ano”.
Sincretismo religioso – Ao chegar o cortejo, as baianas seguem uma tradição milenar e lavam com água de cheiro o adro da Basílica. Um pouco mais à frente, pais de santo davam banhos de pipoca e de folhas nos fiéis em frente à escadaria da Basílica. Essa é a forma de quem é do Candomblé saudar e cultuar Oxalá, agradecendo e pedindo forças.
O culto ao Nosso Senhor do Bonfim começou em 1745, quando a imagem do santo foi trazida pelo capitão Português Teodósio Rodrigues de Farias cumprindo uma promessa que fez depois de ter sobrevivido a uma forte tempestade. As homenagens, no entanto, iniciaram de fato em 1754, ano em que a imagem foi transferida da Igreja da Penha, em Itapagipe, para a sua própria igreja, construída na Colina Sagrada.
Segundo relatos históricos, a lavagem do adro da Basílica começou a partir dos moradores da região, que lavavam a igreja para deixá-la pronta para a Festa do Bonfim. Por conta da dança durante o cortejo até a basílica, a limpeza foi proibida, em 1889, pelo arcebispo da Bahia Dom Luís Antônio dos Santos. Após a decisão, adeptos do candomblé começaram a fazer o cortejo para lavar as escadarias.
Foto: Divulgação/SECOM-PMS