Em depoimento ao juiz Sergio Moro nesta segunda-feira, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que um presidente deve ouvir “malandros” no exercício do cargo. FHC foi ouvido como testemunha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo que investiga o petista pelas reformas realizadas em um sítio em Atibaia.
A declaração foi realizada enquanto Fernando Henrique contava sobre as audiências que tinha, enquanto presidente, com políticos e empresários. A princípio, a defesa do ex-presidente Lula indagou Fernando Henrique sobre os encontros que teve com Emilio Odebrecht, patriarca da construtora que leva o sobrenome de sua família.
Segundo o tucano, ele conversou não apenas com empresários, mas com líderes sindicais e líderes religiosos durante o seu mandato. Fernando Henrique afirmou que, na vida pública, não se pode escolher quem será seu interlocutor, ao contrário do que ocorreria na esfera da iniciativa privada.
“É natural que o presidente se comunique com os representantes da sociedade. Tendo influência, tem que falar. É parte da vida presidencial ouvir, conversar, discutir. MST, conversei inúmeras vezes. Sindicato, nem se fale. Igreja, nem se fale”.
Fernando Henrique, então, relembrou um episódio que viveu quando ainda estava na Universidade de São Paulo para justificar que não se pode “discriminar” malandros.
“Mesmo o malandro, você sabe que ele é malandro, você não vai entrar na malandragem dele. Você tem que ver da malandragem dele, o que ele quer”, afirmou, Fernando Henrique, que completou: “E ele não pode ser malandro o tempo todo, tem vez que não é. Ele não tem que ser discriminado. Quem tem função pública tem o dever de ouvir e a obrigação de cumprir o que é sua obrigação, que é tentar levar o país para certa direção”.
O depoimento de FH, que durou cerca de 30 minutos, também abordou outros temas, como a composição do ministério no presidencialismo de coalizão. Lula é acusado de ter dividido as esferas de influência dos partidos na base aliada na Petrobras, com PP, PMDB e PT dividindo as diretorias da estatal.
Ao final do depoimento, o juiz Sergio Moro chegou a realizar dois questionamentos ao ex-presidente. Um deles gerou uma breve discussão com os advogados de Lula. O magistrado indagou Fernando Henrique sobre as palestras para as quais foi contratado. Alegando estar questionando o tucano pelo contexto das palestras apresentado pelos advogados do ex-presidente Lula, Moro indagou se FH foi pago com reformas em propriedades.
“Alguma vez uma dessas empresas que lhe contratou, desculpe até perguntar esse tipo de situação, reformou alguma propriedade que o senhor utilizava por fora, coisa parecida?”, afirmou.
“A defesa não fez nenhum tipo de afirmação de reforma ou valores por fora, não é uma afirmação da defesa”, protestou Zanin.
Moro, contudo, desconsiderou os protestos da defesa e repetiu a pergunta, negada pelo ex-presidente:
“Na maior parte das vezes é feito através de um agente que faz o contrato e eu nem conheço os donos, vou conhecer na hora. Não, jamais, nem por fora, nem participar de reforma. Não tem muita coisa para reformar, só minha cabeça”, brincou Fernando Henrique.