Era agosto de 2014 quando o ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa decidia firmar acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal —o primeiro da Operação Lava Jato.
Na ocasião, Costa estava no segundo de seus dois curtos períodos atrás das grades. Em outubro do mesmo ano, deixaria Curitiba (PR) para cumprir prisão domiciliar no Rio de Janeiro. Com o acordo, o ex-diretor ficou cerca de seis meses em regime fechado, somando as duas passagens.
Em troca, deu o caminho para que os procuradores avançassem no que se tornaria a maior operação de combate à corrupção no país. Indicado ao cargo pelo PP, narrou o loteamento político na Petrobras, o cartel de empresas, o pagamento da propina e os repasses aos partidos, estipulados em percentuais sobre os contratos.
Além disso, devolveu R$ 79 milhões aos cofres públicos. Quatro anos depois, as cifras previstas nos 194 acordos de colaboração premiada firmados pelo Ministério Público em Curitiba, Rio e Brasília chegam a R$ 2,6 bilhões. Somados os valores previstos nos acordos de leniência (R$ 10,8 bilhões), o total a ser recuperado pela operação atinge a marca de R$ 13,4 bilhões.
Ainda não é certo o montante desviado pela corrupção na Petrobras. Procuradores da força-tarefa já estimaram o rombo em R$ 20 bilhões.
Em laudo de 2015, no entanto, peritos da Polícia Federal estipularam que os desvios estão na faixa de R$ 6,4 bilhões a R$ 42,8 bilhões, trabalhando com uma margem de 3% a 20% para a majoração excessiva das margens de lucros das contratantes.
No documento, os peritos afirmam que muitos dos contratos foram fechados em percentuais próximos do valor de 20% acima das estimativas de referência da Petrobras.
Sendo assim, o montante recuperado pela Lava Jato já chega a cerca de um terço do valor máximo desviado na estatal, segundo os cálculos da PF. A quantia, de acordo com especialistas consultados pela Folha, é bastante representativa.
“É um número extraordinário, muito alto”, diz Celso Vilardi, professor da pós-graduação em Direito Penal Econômico da Fundação Getulio Vargas. “A recuperação de valores no Brasil era muito difícil.”
Vilardi ressalta que a restituição dos valores está mais atrelada aos acordos de leniência, ainda que, muitas vezes, as colaborações premiadas impulsionem a empresa a fazer sua própria negociação.
“O que se pode afirmar é que a simbiose, a somatória entre as colaborações e as leniências, foram responsáveis por esse número excepcional”, diz.
Segundo o professor, a Lava Jato demonstrou um caminho pelo qual é possível recuperar dinheiro com penas alternativas à prisão.
“É natural, em um país que não tinha feito recuperação de ativos, não tinha prática de acordos, que existam críticas e melhorias”, afirma.
De acordo com Vilardi, os acordos podem ser melhorados com o estabelecimento de parâmetros mais fixos, como a certeza de que a negociação será aceita por todas as autoridades envolvidas. Hoje, quando um delator firma colaboração premiada, o juiz pode não concordar com os benefícios ofertados.
João Paulo Martinelli, professor de Direito Penal do IDP (Instituto de Direito Público) de São Paulo, tem uma visão mais crítica. Segundo ele, a priorização dos acordos indica que o Estado tem mais interesse em recuperar os valores do que em punir. “Considerando todo o histórico é um valor alto. Inclusive o preço que se paga é a aplicação de penas bastante esdrúxulas para os delatores. Dentro dessa visão de que o mais importante é recuperar, vale a pena.”
Martinelli diz enxergar que o Estado tem concedido favores para os réus por avaliar que, sem a colaboração, não seria possível chegar a outros atores e aos valores desviados.
“Se fosse pensar na punição, o Estado teria que investir mais na inteligência. A delação seria o último recurso a ser utilizado, não o primeiro. O correto é que fosse o último, para o Estado não precisar conceder tantos favores.”
Após pico em 2016, número de delações firmadas tem queda
Dados fornecidos pelo Ministério Público Federal no Paraná mostram um pico de colaborações premiadas em 2016. Em 2014, foram firmadas 12 delações em Curitiba e Brasília.
Depois de Paulo Roberto Costa, foi a vez do doleiro Alberto Youssef. As delações dos dois são encaradas como complementares —enquanto o ex-diretor expôs os meandros da corrupção na Petrobras, Youssef explicou como acontecia a lavagem do dinheiro.
O doleiro é, por sinal, veterano nos acordos de colaboração. Ele já havia firmado delação no caso Banestado, investigação de um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro que remeteu bilhões de reais ao exterior. Youssef, no entanto, descumpriu os termos do acordo ao persistir em práticas criminosas.
Em 2015, 33 acordos foram firmados pelo MPF. Entre eles, o do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. No ano seguinte, o número pulou para 108, recuando para 18 em 2017.
O pico de 2016 pode ser explicado pelas 77 colaborações firmadas no fim do ano com executivos da Odebrecht, incluindo Emílio e Marcelo Odebrecht. Conhecida como a delação do fim do mundo, gerou 83 inquéritos no STF (Supremo Tribunal Federal) contra 108 autoridades com foro privilegiado.
Aquele também foi o ano das controversas delações do ex-senador Delcídio do Amaral e do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Em 2017, os marqueteiros João Santana e Mônica Moura foram adicionados à lista.
Nos sete primeiros meses de 2018, foram apenas quatro acordos. Há ainda a colaboração premiada firmada pela Polícia Federal —contra a vontade do Ministério Público— com o ex-ministro Antonio Palocci, figura chave dos governos Lula e Dilma.