Irmã Dulce foi canonizada neste domingo (13) por conta de seu amor aos pobres, porque cuidou deles e deixou uma obra que atende a milhares de pessoas diariamente? É comum dizerem: a obra de Irmã Dulce é seu maior milagre; mas a santidade de uma pessoa, segundo a doutrina católica, dá-se pelo ato de cuidar, por exemplo, dos pobres ou pelo amor heróico a uma Pessoa?
Quando foi lançado em agosto o cartaz da Campanha da Fraternidade da CNBB de 2020, que é inspirada em Irmã Dulce e traz como tema “vida doada é vida santificada. A vida é um intercâmbio de cuidado”, o padre Patrick Samuel Batista, secretário executivo de campanhas da Conferência disse que é “por isso que a irmã Dulce cuida. E seu modo de cuidar sinaliza uma Igreja em saída. Então é cuidar das pessoas que estão próximas a nós. Onde estou é lugar de cuidado da pessoa, do mundo, da ecologia”.
O sacerdote então conclui: “Depois, o cenário faz menção à questão do mundo urbano. Amar é fazer o bem! Daí a beleza do cartaz, que está sintonizado com as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora no que diz respeito ao pilar da caridade”. A questão que se põe: este é o segredo da santidade? Se a santidade consiste em realizar obras grandiosas como a do Anjo Bom, o Céu estará fechado à maioria dos mortais. E se a santidade consiste em ter uma grande obra assistencial, esta também é feita por pessoas de outras denominações cristãs, de outros credos, por associações ou pelas estruturas de estado.
O apóstolo São João escreve em sua primeira carta – na qual ensina que o Deus revelado em Jesus Cristo é Amor – que “aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê”. Mas o princípio para a santidade é o amor a Deus, a Cristo, a partir de quem amamos o próximo. E essa dinâmica é evidente na vida de Irmã Dulce: poucos falam que a vida sacramental a partir da qual o fiel encontra Cristo na Eucaristia, na confissão, na unção dos enfermos, dentre outros sacramentos, era o que sustentava Irmã Dulce. E, claro, a vida de oração. Irmã Dulce não era somente o labora do “ora et labora” que resume, por exemplo, a vida dos beneditinos.
O amor por Cristo, o amor louco por Cristo a fazia procurá-Lo em cada doente. Era como a Amada do Cântico dos Cânticos: “Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, se encontrardes o meu amado, que lhe haveis de dizer? Dizei-lhe que estou enferma de amor”. Santa Terezinha do Menino Jesus (1873 – 1897), monja carmelita descalça, lembrava que “Deus não tem necessidade das nossas obras, mas de nosso amor”. Certamente a santa francesa não seria compreendida nos dias de hoje – aliás as monjas de clausura ainda não são entendidas segundo a visão contemporânea.
Diz também São Paulo, na I Carta aos Coríntios: “Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria!”. Disse também aos Gálatas: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”. Portanto, está provado que é o amor a Cristo que torna alguém santo. E este amor pode ser vivido em uma vida missionária como a de São Paulo Apóstolo; na clausura, a exemplo de Santa Terezinha; ou no cuidado com os pobres e doentes como a nossa Santa Dulce dos Pobres. Os santos são exemplos de como ama a Cristo.
Concluo com mais uma citação, dessa vez do Venerável Fulton Sheen (1895 – 1979), arcebispo norte-americano também em processo de beatificação: “A Igreja canonizou a Little- Flower (Santa Teresinha), mas recusa-se a obrigar qualquer mulher a entrar no convento. A Igreja ensina que a castidade dos religiosos é superior ao estado matrimonial, mas condena quem diz que o Matrimônio é um mal. A Igreja regozija-se com seus filhos que fazem o voto de pobreza e renunciam aos seus próprios bens de produção, mas condena o comunismo, que diz que a propriedade individual da propriedade produtiva é um mal. A Igreja ensina a temperança e louva o perfeito abstêmio, mas repele o reformador que diz que a bebida em si mesma é intrinsecamente má”.
Davi Lemos é jornalista. E-mail: dvlemos@gmail.com