A escadaria da Igreja Santíssima Trindade, em Águas de Meninos, onde sobem dezenas de pessoas todos os dias, agora é só silêncio. Nenhuma palavra, nenhuma ação, apenas a oração silenciosa de homens e mulheres que compreendem a dor do próximo e se uniram para expressar solidariedade aos familiares das vítimas do COVID-19, que, segundo o levantamento realizado pelo consórcio de veículos de imprensa, já acomete mais de um milhão de brasileiros.
O que os moradores da Comunidade da Trindade estão fazendo ao silenciarem nas escadarias tem nome: “O silêncio faz ecoar nossa dor”. Esta é a campanha idealizada pelo responsável da Comunidade, Henrique Peregrino, em parceria com a Cáritas Nacional, a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), o Centro de Estudos Bíblicos (CEBI), o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), o Conselho Ecumênico Baiano de Igrejas Cristãs (CEBIC), a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), a Fundação Luterana de Diaconia (FLD), o Centro de Estudos e Ação Social (CEAS) e o Núcleo Apostólico da Companhia de Jesus na Bahia (MAGIS).
Lançada no dia 11 de junho, a iniciativa, que também é conhecida como “Não-Ação”, além de ser um momento permanente de oração em meio ao silêncio, é também uma oportunidade de denunciar a inação de órgãos governamentais diante do crescente número de casos e de mortes. “Isso se tornou uma missão diante da responsabilidade da vida do próximo”, afirma Henrique.
O silêncio – Nas escadarias, homens e mulheres se revezam, diariamente, para que o ato seja realizado de maneira permanente e seguindo todas as recomendações sanitárias, como explica Henrique Peregrino, que montou uma tenda de frente para a Avenida Jequitaia, onde as pessoas se abrigam para ter esse momento oracional. “Disponível o dia todo, do nascer ao pôr do sol, das 6h às 18h, sempre há pessoas que assumem a presença silenciosa e oracional”, explica.
Henrique Peregrino ressalta que também chegou a participar de outras ações e assinou petições para que algo fosse feito diante do cenário, mas percebeu que era necessário algo mais e que o silêncio e a “Não-Ação” podiam completar de modo a tornar o clamor ainda mais forte. Contudo, ele explica que não é um silêncio calado, “é um silêncio de protesto e indignação. Nós não podemos ficar sem reação diante da situação em que diariamente milhares de vidas são perdidas. Não podemos achar isso normal, porque ninguém quer que o Brasil se torne um cemitério. Estamos todos aqui para a vida! Jesus disse ‘Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em plenitude’”, destaca.
De acordo com a moradora da Comunidade da Trindade, Juci de Souza, de 54 anos, que participa presencialmente nas escadarias da Igreja, sempre das 16h às 18h, é uma experiência única porque, segundo ela, antes da pandemia já refletia sobre o acúmulo de informações, a rotina dos seres humanos e o barulho de trânsito da cidade, já que muita gente não está cumprindo o isolamento social. “Eu vivo essa experiência para silenciar esse barulho que vem como uma resposta de toda a situação e sentir que, mesmo diante disso, eu posso entrar em comunhão e em sintonia com todos os gritos e dor que assolam o mundo”, diz. Juci destaca, ainda, que as pessoas estão vivendo como se as mortes e os casos de COVID-19 fossem algo comum. “Você saber que 50 mil vidas já se foram, e ter isso como algo natural, é não sentir empatia pela dor do outro”, conclui.
Para a pastora da Igreja Presbiteriana Unida, Sônia Mota, que abraçou a campanha na Igreja onde congrega e na CESE, que também faz parte da iniciativa, a sensação é de que diante dos discursos feitos por meio dos responsáveis pela Saúde no Brasil, as pessoas acabaram ficando cansadas com tantas ocorrências que envolvem vidas. “Entendemos que o silêncio também pode ser uma forma de protesto, mas não é o silêncio que se omite, mas sim o silêncio que quer falar alto. Na própria Bíblia há muitos momentos de silêncio. Silenciar-se diante de uma dor profunda. Silenciar-se para chamar atenção”, diz.
#SilêncioPelaDor – As pessoas também podem participar da campanha sem sair das casas. “Pode ser dentro do apartamento, da casa, qual que seja a moradia, essa pessoa pode reservar um momento para ficar em silêncio. E, para que esse silêncio ecoe, nós pedimos que as pessoas escrevam o lema, tirem uma foto e publiquem nas redes sociais com a #SilêncioPelaDor”, pede Henrique Peregrino.
A campanha também pode ser acompanhada, pelos internautas, através do Instagram: @silenciopelador e do Facebook: Silêncio Pela Dor
Texto: Pascom/Arquidiocese de Salvador