O comitê científico do Consórcio Nordeste recomendou que seja adotado o “lockdown” em Salvador e mais três cidades do interior baiano: Feira de Santana, Itabuna e Teixeira de Freitas. A orientação foi divulgada no 9º boletim divulgado pelo grupo, montado para auxiliar os gestores da região na tomada de decisões sobre as ações de enfrentamento à crise decorrente do novo coronavírus.
Segundo o cientista Miguel Nicolelis, um dos coordenadores do grupo, a recomendação tem base nos estudos científicos realizados pelo comitê. “Usamos como base a grande sobrecarga do sistema de saúde, ocupação dos leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), e aumento no número de casos nos últimos dias”, explicou.
No caso de Salvador, o boletim apontou que a cidade continua a apresentar um crescimento significativo de casos nos últimos 14 dias (56%), mesmo com as medidas de bloqueio seletivo de bairros da cidade. “Nós estudamos Salvador por mais de um mês e observamos a ampliação do número de casos e óbitos na cidade, além de uma ocupação dos leitos de UTI em cerca de 80%, em todos o estado”, disse Nicolelis.
Para o cientista, a capital baiana vive um momento de aceleração no número de casos, que pode aumentar nos próximos dias. Atualmente, segundo o estudo, as infectados em Salvador duplicam a cada 16 dias, assim como já acontece em cidades que foram mais afetadas pela pandemia, como Fortaleza. “Portanto, vemos que Salvador já empatou com Fortaleza e superou outras cidades do Nordeste, como Recife e São Luís, que teve desaceleração dos casos nos últimos dias”, explicou Nicolelis, que definiu que a cidade vive “um momento crítico”.
Essa é a primeira vez que o comitê científico do Consórcio Nordeste recomenda o lockdown para a cidade de Salvador. O prefeito ACM Neto disse que não concorda com a orientação. “Essa recomendação não tem qualquer tipo de impacto ou força indicativa para a prefeitura. Eu não tenho buscado suporte desse consórcio, e sim de técnicos da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Fiocruz, Universidade Federal da Bahia (Ufba) e trocamos experiência com outras prefeituras”, disse.
Neto destacou também que as decisões tomadas pela prefeitura possuem caráter técnico. “São decisões científicas. O esforço feito pela prefeitura foi justamente para evitar o lockdown. Nós fomos bastante criteriosos na hora de definir o que poderia fechar e o que poderia ficar aberto. Eu não considero que essa recomendação deva gerar preocupação na cidade”, explicou.
Para completar, o prefeito de Salvador salientou a importância das medidas de restrição atuais para evitar que seja determinado algo mais severo no futuro. “Se nós fizermos uma abertura inadequada e inoportuna, pode ser que haja uma explosão no número de casos e, depois, não tenhamos outra alternativa, a não ser decretar o lockdown. Essa medida jamais foi descartada, mas nunca foi considerada como prioridade da prefeitura”, concluiu.
Interior – No caso das três cidades do interior baiano, Feira de Santana, Teixeira de Freitas e Itabuna, a recomendação do lockdown tem como base critérios semelhantes aos adotados na análise da capital, com o acréscimo do fluxo rodoviário intenso. “É o que acontece em Feira de Santana e Teixeira de Freitas. São dois casos típicos de cidades que ficam no centro de rodovias movimentadas, o que pode aumentar a quantidade de casos no local”, disse Miguel Nicolelis.
Por esta razão, o comitê recomenda no boletim que a BR-324, que liga Salvador a Feira de Santana, passe a ser considerada como alvo principal para instalação de barreiras sanitárias e possível bloqueio intermitente de tráfego de carros particulares e ônibus intermunicipais. Como isso, seria mantido apenas o tráfego de transporte de carga essencial e de pacientes.
Para o grupo, essa decisão vai reduzir a transmissão de casos de Salvador para o interior do estado. No entanto, com a interiorização da pandemia, os cientistas estão observando que um novo fenômeno pode acontecer, o chamado “efeito bumerangue”. “Nós observamos que a covid-19, de modo geral, começou no litoral e capitais do Nordeste. Depois, foi para o interior. Agora, os casos do interior voltam para as capitais, através do sistema de saúde”, explicou Nicolelis.
Acontece que o aumento de casos no interior dos estados resulta num fluxo de pacientes em estado grave transferidos para as capitais dos estados, uma vez que estas são as que dispõem de maior infraestrutura hospitalar adequada. Com isso, uma verdadeira avalanche de casos graves, advindos do interior, podem sobrecargar os sistemas hospitalares das capitais, ameaçando-os com um colapso em um intervalo de tempo muito curto, segundo o estudo.