Os brasileiros são apaixonados por carros, e, nos últimos anos, essa paixão tem adquirido novas caracterÃsticas, trazendo promessas de mais sustentabilidade e economia tanto para o meio ambiente quanto para o consumidor. Estamos falando dos carros elétricos, cuja popularidade cresce rapidamente. Segundo uma pesquisa da ABVE (Associação Brasileira do VeÃculo Elétrico), a venda de veÃculos leves eletrificados no Brasil aumentou quase 90% em 2024. Desde o inÃcio da série histórica, em janeiro de 2012, já foram emplacados aproximadamente 410 mil veÃculos desse tipo, conforme os dados da associação.
Adotar a mobilidade elétrica é, ao mesmo tempo, uma oportunidade e um desafio, e exige uma análise criteriosa por parte do consumidor.
As vantagens dos veÃculos elétricos
Um dos principais argumentos a favor da mobilidade elétrica é a eliminação das emissões de poluentes, contribuindo para uma melhor qualidade do ar e uma redução da pegada de carbono. Em tempos de mudanças climáticas e recordes de temperatura, esses fatores tornam-se ainda mais relevantes. No Brasil, onde a matriz elétrica é predominantemente renovável (hidrelétrica), os benefÃcios ambientais são ainda mais expressivos, especialmente quando comparados a paÃses cuja obtenção de energia depende majoritariamente de combustÃveis fósseis.
Outros pontos positivos incluem a redução da poluição sonora e o menor custo de manutenção, uma vez que os motores elétricos são mais simples do que os motores à combustão. Além disso, a eficiência dos motores elétricos pode chegar a 90%, enquanto os motores a combustão costumam operar com uma eficiência média de apenas 30%, resultando em um aproveitamento mais eficiente da energia e menos desperdÃcio.
Outro atrativo são os incentivos fiscais, como a isenção ou redução do IPVA, a dispensa do rodÃzio municipal e condições facilitadas de financiamento.
Os desafios da mobilidade elétrica
Apesar das vantagens, a adoção dos veÃculos elétricos também envolve desafios, especialmente quando analisamos toda a cadeia de produção, consumo e descarte, que não se revela tão circular e sustentável quanto podemos imaginar.
As emissões de poluentes na fase de uso (“tank-to-wheel” ou “tanque à s rodas”) são nulas, contribuindo para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. No entanto, a análise completa (“well-to-wheel” ou “do poço à roda”) levanta questões sobre a origem da energia utilizada para carregar as baterias. No Brasil, durante perÃodos de escassez hÃdrica, as hidrelétricas são complementadas por termelétricas, que emitem grandes quantidades de gases de efeito estufa.
As baterias representam outro grande desafio, tanto pela necessidade de destinação adequada, reaproveitamento e reciclagem, quanto pelo aumento considerável do peso dos veÃculos. Um carro popular à combustão pesa em torno de 1.000 kg, enquanto um equivalente elétrico pode ultrapassar 1.500 kg. Esse peso adicional provoca maior desgaste dos pneus, que são outra fonte de poluição ambiental.
Outras limitações incluem o alto custo de aquisição (geralmente acima de 100 mil reais), a infraestrutura de recarga ainda insuficiente e a autonomia limitada, além do tempo necessário para a recarga. No entanto, esses desafios tendem a ser superados com o aumento da frota de veÃculos elétricos e a evolução das baterias, como é o caso das baterias de sódio, que são alternativa promissora.
Dependência do lÃtio
Um ponto crÃtico da mobilidade elétrica é a dependência do lÃtio, principal componente das baterias. A extração desse mineral nos salares da América do Sul, em paÃses como BolÃvia, Chile e Argentina, compromete a disponibilidade local de água, ameaçando comunidades tradicionais e o ecossistema local. Portanto, torna-se essencial buscar alternativas para uma exploração mais sustentável do lÃtio.
O futuro da mobilidade elétrica no Brasil
Diante da crescente preocupação com as mudanças climáticas, é esperado que o mercado de veÃculos elétricos continue crescendo nos próximos anos, impulsionado por avanços tecnológicos, polÃticas públicas e investimentos em infraestrutura de recarga. A colaboração entre empresas e governos pode acelerar esse processo, tornando os veÃculos elétricos mais acessÃveis e viáveis para a população brasileira. Além disso, montadoras têm ampliado suas linhas de veÃculos eletrificados, incluindo modelos hÃbridos e de menor custo.
Entretanto, vale lembrar que a melhoria do transporte público e um planejamento urbano mais eficiente geram impactos ainda mais positivos do que a ampliação do transporte individual. Um exemplo é a adoção de ônibus elétricos, que podem reduzir significativamente as emissões. Além disso, o etanol continua sendo uma solução relevante, e o Brasil se destaca como lÃder na produção desse biocombustÃvel a partir da cana-de-açúcar.
A mobilidade do futuro dependerá de um conjunto de soluções equilibradas, considerando não apenas os benefÃcios, mas também os desafios e impactos de cada alternativa.
*Edson Grandisoli é embaixador e coordenador pedagógico do Movimento Circular, Mestre em Ecologia, Doutor em Educação e Sustentabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), Pós-Doutor pelo Programa Cidades Globais (IEA-USP) e especialista em Economia Circular pela UNSCC da ONU. É também co-idealizador do Movimento Escolas pelo Clima, pesquisador na área de Educação e editor adjunto da Revista Ambiente & Sociedade.