Hoje ao acordar, ainda sem os óculos, vejo na cama algo estranho. Era pequenino, de cor negra com algumas pintinhas brancas. A imprecisão visual me leva ao passado.
Lembro dos insetinhos com os quais convivi muito na infância. Em determinado período do ano, não recordo se na primavera, eles surgiam feito peste sobre plantas e flores.
É vívida a lembrança deles nas graxeiras, flores também que sumiram. Naquele tempo, elas eram muito comuns nos jardins das casas que existiam ao longo do caminho para o Colégio 2 de Julho.
Assim como as graxeiras, as viuvinhas também desapareceram do meu cotidiano. Sim. Depois que pus os óculos, constatei que não se tratava de uma viuvinha o borrão preto que estava em minha cama.
Era a letra A da marca Adidas que descolara da camisa que usei para dormir. Aí, como diz o povo: “Agora Inês é morta”. Preciso abrir um parêntese nessa história da viuvinha.
Embora essa expressão popular seja frequentemente ouvida e dita, eu nunca havia parado para saber a sua origem. Dessa vez, curioso, fui ao Google, que me informou por meio de sua inteligência artificial.
O dito “Agora Inês é morta” é resultado de uma história trágica, registrada em “Os Lusíadas”, clássico de Luiz Vaz de Camões. Engraçado: a viuvinha sai de cena e entra o viuvão.
Então, o viuvão é Dom Pedro I, de Portugal. Não confundir com o do Brasil, até por serem de épocas diferentes. A história de Inés é do Século XIV. Pindorama foi descoberta no Século XVI e o Dom Pedro I, do Brasil, nasceu no Século XVIII.
Como o seu xará da Independência do Brasil, o Dom Pedro I, de Portugal, era também chegado a uma amante. Ele mantinha um relacionamento extra-conjugal com Inês de Castro, mãe de alguns de seus filhos.
Com a morte da “federal”, Dom Pedro I, de Portugal, fica viúvo e decide oficializar a “outra”. Não esperava, no entanto, a resistência de seu próprio pai, o rei Afonso IV, que o antecedera no trono lusitano.
Cabreiro com a crescente influência da família de Inês e a possível ameaça à coroa portuguesa, o rei Afonso IV aproveita a ausência do filho no reino e manda executar Inês.
Ao saber do assassinato da amada, Dom Pedro promete vingança. Quando ascende ao trono, manda torturar e matar os responsáveis. Isso não basta ao desesperado viuvão.
Ele ordena que Inês seja desenterrada para que seja coroada como rainha de Portugal. Impõe ainda que toda a corte beije as mãos da defunta.
Pois é, foi essa tragédia que deu origem ao ditame “Agora Inês é morta”, quando nos deparamos com uma situação irreversível em que qualquer ação não tem mais efeito.
De volta às viuvinhas, o sumiço delas de Salvador certamente é consequência da devastação irrefreável do verde, que vem sofrendo a capital baiana nos últimos 50 anos. “Agora Inês é morta”.
Pacheco Maia é jornalista formado na Facom-UFBA e ex-seecretário municipal de Comunicação de Salvador.