Planilhas entregues por delatores da empreiteira Odebrecht ao STF (Supremo Tribunal Federal) indicam pagamentos de propina relativos à obra de uma estação de tratamento de água sob investigação na Argentina como desdobramento da Operação Lava Jato.
Os registros de repasses ilegais estão em levantamento feito pelo jornal Folha de São Paulo a partir da análise de 2.300 listas de subornos, parte do acervo de 76 mil páginas entregues pela empresa em sua delação.
O departamento da Odebrecht dedicado a pagar propinas, intitulado Setor de Operações Estruturadas, organizava as transferências de valores ilícitos em planilhas com programações semanais.
Na lista do período entre 30 de agosto e 3 de setembro de 2010, estão indicados dois repasses feitos em dólar em Buenos Aires. No dia 31 de agosto de 2010, beneficiários registrados sob os codinomes “Raul Seixas” e “Cavalo” receberam, respectivamente, US$ 25 mil (R$ 88 mil pela cotação atual) e US$ 18 mil (R$ 63 mil).
No campo dos papéis para descrição das obras vinculadas aos pagamentos, está escrito “Paraná de Las Palmas”, uma referência ao projeto da estação de tratamento de água situada em Tigre, cidade que fica ao norte da região metropolitana de Buenos Aires. A obra teve financiamento do BNDES no valor de US$ 320 milhões (R$ 1,1 bilhão).
Outras planilhas trazem um repasse de US$ 67 mil (R$ 235 mil) a uma pessoa sob a alcunha “Rio Grande”, feito em em 27 de julho de 2010, e de US$ 12 mil (R$ 42 mil), novamente a “Cavalo”, em 11 de novembro de 2010.
As apurações sobre a estação de tratamento de água estão no centro das atenções dos argentinos. Há expectativa de que, de forma inédita, sejam iniciados já nas próximas semanas os primeiros processos na Justiça argentina contra as sócias locais da Odebrecht na obra.
No projeto da unidade de saneamento, avaliado em cerca de US$ 900 milhões (mais de R$ 3 bilhões), a Odebrecht integrou consórcio com as empresas Benito Roggio, Supercemento e Cartellone.
O contrato foi fechado em 2008 com a estatal Aguas y Saneamientos Argentinos SA (Aysa) e teve 12 aditivos.
Na semana passada, a Justiça argentina proibiu que investigados pelo envolvimento em supostos crimes ligados à obra deixem o país, como o conhecido empresário Jorge “Corcho” Rodríguez.
Em acordo de colaboração premiada fechado com autoridades do Brasil, dos Estados Unidos e da Suíça em dezembro de 2016, a empreiteira confessou ter pago propinas na Argentina no valor total de US$ 35 milhões (R$ 120 milhões), entre 2007 e 2014.
As informações sobre os destinatários dos subornos e obras a eles vinculados, porém, ainda não são conhecidas pelos órgãos argentinos, uma vez que que restrições impostas pela legislação do país impediram a assinatura de delações premiadas pelos executivos da construtora brasileira.
Também estão no foco das apurações argentinas as obras do soterramento da ferrovia Sarmiento, em Buenos Aires, e a ampliação de gasodutos nas regiões norte e sul do país.
Em comunicado, a Odebrecht afirmou que “ratifica sua firme vontade transmitida às autoridades dos poderes Executivo e Judiciário argentinos em colaborar de forma ampla e eficaz com as investigações”.
“A empresa espera reconquistar a confiança da sociedade com uma atuação empresarial ética, íntegra e transparente”, segundo a manifestação da empreiteira.
Lava Jato na Argentina:
Principal político sob investigação: Julio De Vido, ex-ministro da Infraestrutura e do Planejamento sob os governos de Néstor e Cristina Kirchner (2003-2015)
Propina informada pela Odebrecht em delação no Brasil: US$ 35 milhões
Situação da negociação do acordo de delação: Foi rejeitado pela Justiça argentina
Obras sob investigação:
– Soterramento da ferrovia Sarmiento em Buenos Aires
– Estação de tratamento de água da Área Norte (Planta Potabilizadora Paraná de Las Palmas), na Grande Buenos Aires
– Ampliação de gasodutos nas regiões sul e norte