Investigações internas da Caixa Econômica Federal apontam que o atual ministro da Saúde, Gilberto Occhi (PP), liberou, quando gestor do banco, recursos que foram usados na compra de casa lotérica vendida por seu filho e seu enteado em Alagoas.
A Folha de São Paulo informa que o dinheiro da Caixa, segundo a investigação, foi transferido a uma prefeitura local e, em seguida, por meio da triangulação com um fornecedor, destinado à conta de uma das lotéricas negociadas. O depósito foi de R$ 200 mil.
Gustavo Occhi, filho do ministro, e Diogo Andrade dos Santos, filho da mulher dele, conseguiram concessões para explorar três casas no estado em 2011.
Na ocasião, Occhi era superintendente nacional de Gestão da Caixa no Nordeste. Depois disso, ele viria a ocupar as funções de vice-presidente e presidente do banco, cargo que deixou em abril deste ano.
As três lotéricas obtidas em 2011 —em Atalaia, Coqueiro Seco e Satuba— foram vendidas pelos parentes de Occhi em janeiro de 2013.
Na mesma época, as contas das empresas receberam R$ 513 mil, referentes às transações.
Um dos depósitos, de R$ 200 mil, foi feito em 3 de janeiro daquele ano por uma prestadora de serviços da Prefeitura de Atalaia.
Seis dias antes, a fornecedora havia recebido do município um cheque de R$ 376.268,32, assinado pelo prefeito, Francisco Luiz de Albuquerque (MDB), o Chico Vigário, e o filho dele, o então secretário de Finanças Francisco Luiz de Albuquerque Júnior. Era o último dia útil de mandato do prefeito, que se despediria da gestão com a virada do ano —ele foi eleito novamente em 2016 e ainda governa o município.
O repasse só foi possível porque, na véspera da emissão do cheque, a Caixa havia transferido R$ 800 mil para a conta da prefeitura. Os recursos eram referentes à primeira parcela da venda da folha de pagamentos dos servidores de Atalaia para o banco.
O comando para que o dinheiro fosse enviado à prefeitura foi dado por Occhi em 21 de dezembro de 2012.
Naquela data, ele mandou uma mensagem para o superintendente nacional de Produtos de Pessoa Jurídica Pública e Judiciário, Luiz Robério de Souza Tavares, requerendo aval para o repasse.
Na mesma data, a gerente a ele subordinada, Heloísa Pereira de Faria, contestou a liberação, pois a Caixa ainda não havia incorporado a totalidade da folha. Faltavam mais de 300 servidores.
Robério mandou destravar o dinheiro, reportando a ela que Occhi havia lhe explicado que o restante seria internalizado até o fim do mês.
Com a operação, os parentes de Occhi tiveram um ganho de pelo menos 100% em relação ao que pagaram inicialmente pelas lotéricas um ano e meio antes.
A prestadora de serviços do município descontou o cheque e depositou os R$ 200 mil na conta de uma das lotéricas. Segundo levantamento da Folha, trata-se da Conserg, empresa que também é fornecedora da Caixa em Alagoas.
A loteria de Atalaia passou em 23 de janeiro para as mãos dos filhos do prefeito Chico Vigário: Francine Vieira de Albuquerque Gonçalves e o ex-secretário de Finanças, que assinou o cheque.
Os dados sobre a propriedade das lotéricas foram levantadas pela Folha na Junta Comercial de Alagoas.
APURAÇÃO INDEPENDENTE
Informações sobre o caso constam de investigações da própria Caixa, entre elas a apuração independente contratada pelo Conselho de Administração ao escritório Pinheiro Neto Advogados. O relatório sobre Occhi foi concluído em fevereiro e enviado a órgãos de controle do banco.
O processo de concessão e transferência das lotéricas foi marcado por indícios de favorecimento aos parentes do ministro na Caixa.
Além das três casas no interior de Alagoas, uma quarta, em Maceió, foi posta em nome do pai do enteado do ministro. Também entrou como sócio das loterias um empresário local.
O banco abriu em maio de 2011 licitação para distribuir 35 lotéricas em Alagoas.
A Caixa não barrou a participação do filho e do enteado do ministro, embora o decreto 7.203, de junho de 2010, que versa sobre o nepotismo na administração pública, determinasse que a restrição deveria constar do edital.
A família Occhi apresentou lances para dez lotéricas, mas foi classificada em primeiro em apenas dois casos. Acabou conseguindo explorar quatro casas porque dois concorrentes foram desclassificados.
O resultado da licitação saiu em 14 de julho de 2011. O edital previa que os vencedores teriam oito dias, a partir da convocação, para pagar o valor da outorga à Caixa e assinar o pré-contrato.
OUTRO LADO
O ministro da Saúde, Gilberto Occhi, afirmou em nota que a licitação para as lotéricas em Alagoas “respeitou toda a legislação vigente à época”.
“Não há possibilidade de intervenção de qualquer pessoa no processo.”
O ministro não respondeu aos demais questionamentos da Folha, entre eles os que tratam do uso de verba do banco para comprar uma das lotéricas. Segundo ele, essas perguntas deveriam ser enviadas à Caixa.
O banco informou que “os processos de apuração continuam em andamento a partir de apontamentos realizados por auditorias e órgãos de controle”. As perguntas da Folha não foram respondidas pontualmente.
Gustavo Occhi pediu que a reportagem mandasse perguntas por e-mail, mas não as respondeu.
“A gente tem como explicar tudo. Não gostaria de tratar por telefone”, justificou. Questionado sobre o repasse dos R$ 200 mil, ele reagiu: “Essa situação aí, tenho de tomar conhecimento direitinho”.
Diogo Andrade, por telefone, disse que não se pronunciaria. “Estou ocupado, não estou podendo falar, não”, declarou. “Desconheço desse negócio aí, não tenho nada a declarar”, acrescentou o enteado do ministro.
O prefeito Chico Vigário afirmou que não se lembrava do cheque: “É de quando?”, perguntou. A Folha enviou questionamentos com detalhes para um e-mail indicado pela mulher dele, mas não houve resposta.
A filha do prefeito, Francine de Albuquerque, negou que dinheiro da prefeitura tenha pago a loteria. Ela disse que a família usou recursos próprios, provenientes de uma previdência do pai no Banco do Brasil e de empréstimos que contraiu.
Francine ressaltou ter como provar as transferências que foram feitas para a compra da lotérica.
“Tenho os contratos, tenho tudo em casa, porque não fiz nada de errado. Foi uma negociação lícita”, afirmou.
Ela acrescentou que seu advogado entraria em contato com a Folha, o que não ocorreu até a conclusão desta reportagem.
Francisco Júnior não foi localizado. A Conserg não retornou aos telefonemas da reportagem.