O Tribunal de Contas da União (TCU) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF), em duas petições, acesso aos anexos complementares das delações do Grupo J&F e defendeu a possibilidade de uso de provas fornecidas em acordos de colaboração contra os próprios delatores. O TCU solicitou ainda que o ministro-relator no Supremo, Edson Fachin, defina “limites e condições dentro dos quais os referidos registros poderão ser utilizados como provas nos processos do Tribunal”.
As manifestações vêm após uma decisão do juiz Sérgio Moro, da 13.ª Vara Federal de Curitiba, em abril, de proibir o uso de provas já compartilhadas por ele próprio contra delatores da Lava Jato e empresas que firmaram acordos de leniência – o que causou mal-estar na Corte de Contas.
Auditores do tribunal ouvidos reservadamente negaram que os pedidos tenham relação com a decisão de Moro, mas reconhecem que se trata de uma oportunidade de o Supremo tratar do tema. Se o ministro Fachin entender que o compartilhamento é possível, poderá estar se sobrepondo à decisão de Moro. Se negar, reforçará a posição de Curitiba.
O que está em jogo neste debate é se órgãos de controle, como Receita e TCU, podem aplicar outras penalidades e multas a delatores e empresas, além das já previstas nos acordos de colaboração premiada fechados com a Justiça. A preocupação é uma possível anulação de decisões tomadas por aqueles órgãos com base nas provas obtidas pelas investigações da Lava Jato.
Recentemente, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, braço jurídico do Ministério da Fazenda, alertou para o risco de não conseguir reaver R$ 2,3 bilhões em dívidas tributárias de investigados, após o despacho de Moro. Para o TCU, o ressarcimento por prejuízos causados aos cofres públicos tem de ser cobrado também de delatores e empresas colaboradoras.
BNDES – O primeiro pedido do TCU entregue a Fachin em abril tem relação com um processo que trata de irregularidades em operações de aportes de capitais celebradas entre a JBS e o BNDES e o BNDESPar. Em outubro passado, o tribunal apontou prejuízos superiores a R$ 300 milhões causados aos cofres públicos na compra de ações da JBS pelo BNDES, em operações que ajudaram o grupo na aquisição do frigorífico National Beef Packing e da divisão de carnes bovinas da Smithfield Foods, ambos nos Estados Unidos, em 2008.
O ministro substituto Augusto Sherman Cavalcanti, relator no TCU, deseja os anexos complementares de Joesley Batista, sócio do grupo, e de Francisco de Assis e Silva, ex-diretor jurídico, sobre as irregularidades no âmbito do BNDES. Joesley listou operações aprovadas com a intervenção e pagamento de autoridades políticas como a compra e conversão posterior de debêntures da JBS pelo BNDES no valor de US$ 2 bilhões. O ministro entende que tanto o delator como a empresa podem ser responsabilizados no processo.
Ainda não houve um julgamento colegiado no Supremo para decidir sobre uso de provas contra colaboradores. A decisão mais próxima sobre o tema foi liminar do ministro Gilmar Mendes, em mandado de segurança da empreiteira Andrade Gutierrez, ao impedir que o TCU declarasse a empresa inidônea por fatos que constavam em acordo de leniência. O ministro, porém, não impediu o bloqueio de bens, e o TCU decidiu, em seguida, bloquear R$ 500 milhões da empreiteira por irregularidades em Angra 3.
‘Carteirada’ – O ministro do TCU Bruno Dantas chegou a chamar a decisão de Moro de “carteirada”. A única manifestação institucional veio do presidente do tribunal, ministro Raimundo Carreiro. Em sessão semana passada, ele disse que a “decisão tem o potencial de atingir processos” no TCU. E marcou sessão para discutir o tema em 1.º de agosto.
Em nota, o Grupo J&F afirmou que “respeita todos os órgãos de controle e fiscalização, tanto é que firmou acordo de leniência com o Ministério Público Federal, e todos os esforços da holding têm sido no sentido de estender o acordo aos demais órgãos”. A Justiça Federal do Paraná disse que Moro já se manifestou nos autos. O TCU não se manifestou oficialmente.
Também em nota, o BNDES afirmou que “nenhuma delação até o momento mencionou a participação de empregados do banco em atos ilícitos”.