O Tribunal de Contas da União (TCU) instaurou um procedimento para investigar o pagamento de honorários de sucumbência — uma espécie de penduricalho — para advogados públicos federais. Segundo relatório da Sefip (Secretaria de Fiscalização de Pessoal), estão sob análise R$ 2,6 bilhões repassados a esses servidores.
Os honorários são pagos pela parte derrotada em um processo judicial. Os defensores públicos concursados têm direito a recebê-los por representar a União na Justiça contra empresas, por exemplo.
Advogados da União, procuradores federais, procuradores da Fazenda Nacional e procuradores do Banco Central passaram a ter direito ao rateio do total devido pelas partes derrotadas após uma lei de julho de 2016. Até então, o montante era incorporado ao Orçamento da União.
Entre fevereiro de 2017 e junho deste ano, meses com dados disponíveis no Portal da Transparência, a Folha levantou o pagamento de R$ 906,3 milhões em honorários. No último mês, 7.872 advogados concursados receberam o benefício — R$ 6.268 cada um. Há meses em que o pagamento passa de R$ 8.000.
Dados referentes ao período entre julho de 2016 e janeiro de 2017 não constam do portal. O relatório da Sefip não informa o período referente ao montante dos pagamentos.
“É um absurdo. O funcionário já recebe salário elevado e, além de ter salário fixo, tem esses honorários”, diz Sandro Cabral, professor de estratégia no setor público do Insper.
“Um advogado da iniciativa privada, que não tem salário, faz sentido receber honorários de sucumbência. Ele vai correr o risco do processo”, afirma o professor.
O objetivo da auditoria do TCU é identificar casos em que há desrespeito ao teto constitucional —hoje em R$ 33,7 mil.
Esses advogados concursados recebem vencimento inicial de R$ 20,1 mil e final de R$ 26,1 mil, segundo dados do Ministério do Planejamento.
Em meio à discussão sobre o pagamento do auxílio-moradia, de R$ 4.300, para o Judiciário e o Ministério Público, esse benefício causa polêmica.
A colunista Mônica Bergamo, da Folha, em 8 de fevereiro deste ano, mostrou o protesto do juiz Marcelo Bretas, da Operação Lava Jato no Rio, no Twitter, contra o penduricalho dos advogados.
“Vamos discutir o auxílio-moradia de todos ou apenas os dos juízes federais? Alguma discussão sobre os vários auxílios (…) ou mesmo os vultuosos honorários pagos aos advogados públicos?”, questionou Bretas.
O auxílio-moradia é alvo de ações no STF (Supremo Tribunal Federal).
O caso está sob relatoria do ministro Luiz Fux e foi retirado da pauta do plenário e encaminhado a uma câmara de conciliação na AGU (Advocacia-Geral da União), na qual as negociações fracassaram.
O Supremo ainda precisa decidir sobre o tema.
“Quem deveria dar o exemplo, que é o Judiciário, talvez seja o campeão de demandas absurdas. O auxílio-moradia é só a cereja do bolo dos penduricalhos”, afirma o professor do Insper.
“O nosso grande problema nas contas públicas é que o governo federal ao longo dos anos, e este último em particular, acaba refém de corporações. Como costumo dizer, é uma gincana para ver quem expropria o Estado de forma mais célere”, diz Cabral.
Após a informação publicada pela Folha, o subprocurador-geral do MPTCU (Ministério Público Junto ao Tribunal de Contas da União), Lucas Rocha Furtado, solicitou a abertura do procedimento.
Na representação, ele recorre ao artigo 37 da Constituição para justificar a apuração dos honorários de sucumbência.
“Esse dispositivo faz saltar aos olhos a nítida e clara intenção constitucional de que o teto remuneratório a ser obrigatoriamente observado na administração pública deva abarcar toda e qualquer parcela ou vantagem remuneratória”, escreve Furtado.
No TCU, o caso está sob relatoria do ministro José Múcio Monteiro, “ainda sem deliberações”. “Todas as informações estão restritas às partes”, afirmou a corte.
Outro lado – A AGU informou que “não pode se pronunciar pois o referido processo tramita sob sigilo”. Segundo a pasta, informações sobre valores dos honorários podem ser fornecidas pelo CCHA (Conselho Curador dos Honorários Advocatícios).
O conselho, formado por representantes dos advogados para gerir os recursos, por sua vez, informou que não foi notificado de nenhum processo.
Embora trate de recursos recebidos por servidores que atuam em defesa dos interesses da União, o conselho afirmou que é “importante registrar que o CCHA não é órgão da administração pública, mas entidade privada”.
Segundo o CCHA, os valores que constam do Portal da Transparência correspondem aos que foram efetivamente pagos. “Não sabemos informar as razões pelas quais o TCU apontou diferenças”, afirmou o conselho.
O órgão disse também que os pagamentos estão amparados em normas e leis, como o Estatuto da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e o CPC (Código de Processo Civil).
“A verba é variável e dependente do resultado positivo nos processos judiciais em que os advogados públicos atuam, constituindo em um estímulo ao incremento da eficiência e eficácia de sua atuação”, afirmou o conselho.