A nova menina dos olhos da Igreja Católica na Bahia, a Catedral Basílica de Salvador retomou todo o seu esplendor após uma reforma de três anos e oito meses, que consumiu R$ 17 milhões, 50 mil folhas de ouro, 5 mil folhas de prata e muito, muito trabalho. O templo será reaberto nesta sexta-feira (14).
O jornalista Alexandre Lyrio do Correio informa que a fachada em pedras de lioz – encontradas apenas em Portugal – ao altar-mor, o quarto templo religioso a ser construído na Bahia, no século XVII, está novíssimo, praticamente do jeito original. E pergunta: o que são três anos e oito meses perto dos 18 anos que o templo levou para ser construído?
Segundo ele, no período da reforma, a nave da igreja virou um imenso ateliê de restauro. “Uma obra muito organizada, quase uma linha de produção. Estudantes e pesquisadores vieram aqui acompanhar. Estamos muito satisfeitos”, afirmou o superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) na Bahia, Bruno Tavares. Os 18 meses iniciais de previsão para finalização da obra se tornaram 44.
O que seria apenas a reforma dos altares teve de ser ampliada. “Em uma obra como essa, sempre se encontram surpresas boas e ruins”, disse Bruno. Tanto que o projeto ganhou muito mais volume. A própria restauração da fachada se tornou necessária por conta da infiltração que poderia voltar a degradar os painéis de azulejo e o forro. “Por isso, foi feita a vedação e consolidação da fachada e das torres. Um trabalho muito complicado”, afirma Bruno.
No final das contas, foram restaurados os 13 altares, pinturas em telas, painéis de azulejos, o forro sob o coro, o piso e a fachada. Até as lápides que guardam as sepulturas de gente importante como Mem de Sá – terceiro governador-geral do Brasil -, de 1573, ficaram brilhando.
O forro da igreja, que tem um medalhão impressionante no centro, foi um dos poucos locais que praticamente não necessitaram de intervenção, já que sofreu reforma há 20 anos. Assim, o que inicialmente seriam R$ 12,5 milhões, tornaram-se R$ 17 milhões, destinados integralmente pelo Governo Federal.
Achados – A reforma mais pesada ficou por conta dos 13 altares do templo – seis de cada lado, além do altar-mor. Alguns deles revelaram achados inimagináveis. No altar do Santíssimo, descobriu-se que, em vez de ouro, ele era de prata. Coberto com repinturas e até com purpurina dourada para imitar o ouro, um trabalho minucioso foi realizado até se descobrir que, na verdade, ele era prateado.
“Foi muito interessante saber que esse altar é em prata. Ninguém imaginava”, surpreendeu-se padre Lázaro Muniz, pároco da Catedral.
Foi aí que, para compensar o desgaste que a prata sofreu pelas repinturas, foi necessário importar 200 cadernos de prata, cada um com 25 folhas. Mas, antes de folhear novamente a parede, era preciso saber como tirar todo o “lixo”. “Tivemos que fazer uma série de testes químicos para saber qual a melhor forma de remover os materiais”, explicou a restauradora Thayane Martins.
Tanto a tinta quanto a purpurina, que já estava oxidada, davam uma impressão de que o altar estava sujo. “Aquilo estava verde e cinza”, lembrou a restauradora, apontando também para as telas em madeira do próprio altar, que, da mesma forma, estavam cobertas. Para remover as tintas, foi preciso fazer um trabalho de remoção mecânica com bisturis em cada peça.
“Ele teve de ser totalmente desmontado e remontado novamente”, destaca Laura Lima de Souza, arquiteta do Ipahn e fiscal da obra.
Ao lado do altar do Santíssimo, o altar de Santo Inácio de Loiola também escondia uma surpresa, mas não em suas paredes e sim por detrás delas, em uma parte oca. Através de uma abertura em sua base, foi possível entrar e encontrar crânios humanos com centenas de anos. Acontece que era muito incomum se colocar restos mortais em altares. A preferência, dentro das igrejas, era pelas lápides.
“Nos causou muita surpresa esses crânios estarem aí”, confirmou a arquiteta que coordenou as atividades da obra, Jéssica Garcia.
No caso do altar-mor, todo o seu esplendor esteve literalmente coberto por muito tempo. Desde o início dos anos 2000, a cortina de uma obra de restauro que começou e não terminou simplesmente cobriu suas pinturas esculturas, imagens de santos, talhas e as 92 cabeças de anjo encravadas nas paredes de ouro. “Mesmo no período que a igreja estava funcionando, o altar-mor ficava escondido”, lembra Bruno Tavares. Tudo foi restaurado e o altar pode ser novamente revelado.
Mas, no alto do altar-mor, outro achado. Trata-se de duas portas de madeira enormes -cada uma com cem quilos – cobertas por uma pintura colorida de São Francisco Xavier, Santo Inácio de Loiola e o próprio Cristo, estavam escondidas nas paredes laterais. São duas portas de correr que guardam o Cristo Crucificado, imagem que sempre foi aparente na igreja.
Mas, as duas portas, uma imensa obra de arte, está ali para escondê-lo – ou não. Durante muito tempo, o Cristo Crucificado ficou desprotegido e não se sabia da existência das portas. Ainda no altar-mor, um imenso quebra-cabeça. Um painel de obras de arte estava completamente desmontado. “As pinturas estavam guardadas na biblioteca, peça por peça”, diz Laura Lima de Souza.
Bustos relicários – Com a reforma da Catedral Basílica, ela se tornou mais segura. Tanto que inúmeras obras de arte que haviam sido retiradas de lá, pouco a pouco, vão se devolvidas. As primeiras peças foram os 30 bustos relicários que estavam no Museu de Arte Sacra da Bahia.
Algumas das principais relíquias sacras da Bahia, que tem o maior acervo sacro do Brasil, eles estão de volta aos espaços encravados nas paredes douradas de dois dos altares. Ficam por trás de duas portas. No caso, duas obras de arte que deixam os bustos à mostra ou não.
Peças de terracota do século XVII, os bustos reproduzem os bustos de mártires. Eles ficaram 15 anos sob a guarda do Museu de Arte Sacra, mas agora voltaram para o local de origem.
Influências orientais – As centenas de obras de arte da Catedral Basílica têm um valor incalculável. Até porque, da maioria delas, não se conhece sequer a autoria. O próprio templo é considerado barroco, mas a quantidade de estilos ali dentro o torna mais complexo, artisticamente falando.
“Não dá para ser simplista e dizer que a Basílica é apenas barroca. Cada retábulo tem um estilo diferente. Aqui tem rococó, neoclássico. A gente percebe influencias indígenas e até orientais”, afirmou a arquiteta Laura Lima.
Antes de se tornar um templo dessa magnitude, a Catedral Basílica era a capela do Colégio dos Jesuítas, que funcionava onde hoje é a Faculdade de Medicina da UFBA.
A atual Catedral é a quarta igreja e último remanescente do conjunto arquitetônico do Colégio. Sua planta é típica das igrejas luso-brasileiras, construída sob projeto do irmão Francisco Dias, chegado à Bahia em 1577 para construir o Colégio. A Catedral Basílica pertence à Arquidiocese de São Salvador e foi, individualmente, tombada pelo Iphan em 25 de maio de 1938, incluindo todo o seu acervo, um dos mais valiosos do Brasil.