Depois de 45 anos de Exército, o general Oswaldo de Jesus Ferreira diz que, quando deixou o comando do Departamento de Engenharia e Construção (DEC) em abril do ano passado, só pensava em fazer uma coisa: nada. Planejou viagens, assistiu à séries no Netflix e ensaiou uma primeira visita à Europa, até o dia em que recebeu uma ligação de Jair Bolsonaro, pedindo para ouvi-lo.
Ferreira não conhecia o candidato, mas era muito chegado daquele que, no ano seguinte, seria alçado a vice-presidente na chapa do candidato do PSL, o general Hamilton Mourão, hoje famoso por criticar a “jabuticaba” do 13.º salário do trabalhador e afirmar que famílias com mãe e avó formam desajustados. “Eu me formei na Academia em 1975. Sou da mesma turma de Mourão. Ele é um irmão que eu tenho”, diz Ferreira.
Depois de uma conversa de duas horas, Ferreira não sabia ainda que sua casa também se transformaria no quartel-general de Bolsonaro, com reuniões constantes regadas a café e centenas de pão de queijo. “Fizemos boa parte do planejamento aqui. Tem sido assim”, diz Ferreira, à vontade em uma camisa polo, calça jeans e chinelas de couro.
Ferreira sustenta um perfil discreto, se posiciona como um “facilitador” de missões de Bolsonaro. Diz claramente que não é afeito à política e que tampouco tem planos de se filiar a algum partido, apesar da evidente tendência de que terá um cargo de peso em um eventual governo do candidato do PSL. “Eu não tenho a menor iniciação política. Me dou bem com o público político, mas só isso”, diz.
Sua força na campanha ficou mais evidente duas semanas atrás, quando deixou de ser apenas responsável pela área de infraestrutura e passou a atuar como coordenador de mais de 20 grupos temáticos dos planos de Bolsonaro, onde a área de infraestrutura é apenas um desses grupos.
Ferreira ganhou status de “conselheiro maior” de Bolsonaro, assumindo em áreas mais operacionais a mesma estatura que Paulo Guedes ganhou nos temas econômicos. Candidato a ser um “superministro” em um eventual governo Bolsonaro, Ferreira tem carta branca para tocar “tudo o que for mais mão na massa”.
Com a missão de liderar a elaboração de boa parte de um plano de governo ainda repleto de lacunas e, caso passe pelas urnas, ser submetido ao crivo do Congresso Nacional, Ferreira diz que não está levando em conta as questões partidárias. “O compromisso que tenho com Bolsonaro é o de fazer a coisa sem conotação política. Se ele (Bolsonaro) for dentro desse negócio de colocar a questão partidária como solução das coisas, vai fazer o mesmo que os outros.”
Prioridades – A lista de prioridades do candidato do PSL à Presidência prevê que as concessões no setor de infraestrutura sejam aceleradas e intensificadas. O plano de privatização da Eletrobrás seria mantido, mas a Petrobrás e “tudo o que for estratégico” não entrariam nesta lista, permanecendo sob a tutela do governo.
Estatais como a Valec, da área de ferrovias, e a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), que realiza estudos para concessões, teriam suas estruturas reavaliadas, podendo até serem fechadas, em um processo de enxugamento e corte de curtos. Na Amazônia, estudos de hidrelétricas que foram arquivados, como as polêmicas usinas no Tapajós, retornariam à mesa de negociação. Na arena ambiental, Ibama e Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) seriam integrados em um único órgão.
Essas medidas estão sendo costuradas pelo núcleo duro da campanha de Bolsonaro, área que está sob o comando de Oswaldo de Jesus Ferreira, general que, do ano passado para cá, tem se convertido em um segundo “Posto Ipiranga” do candidato do PSL – forma como o economista Paulo Guedes, coordenador do programa econômico, passou a ser chamado, inclusive pelo próprio Bolsonaro.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, Ferreira falou sobre os principais planos e medidas que estão sendo analisadas pela cúpula para a área de infraestrutura, caso seu candidato suba a rampa do Palácio do Planalto em janeiro. Ferreira, que até 2017 era Chefe do Departamento de Engenharia e Construção (DEC) e não conhecia Bolsonaro, diz que aceitou a “missão” do capitão reformado do Exército após “ser convidado para mudar o Brasil”.
Energia – Segundo Ferreira, a privatização da Eletrobrás e de suas coligadas será levada adiante num eventual governo Bolsonaro, apesar de toda a resistência do Congresso em acatar a proposta e do próprio candidato já ter sinalizado que a ideia não lhe desce bem. A Petrobrás, no entanto, seria mantida nas mãos do governo. “Tudo o que é estratégico será mantido, como nossos campos de petróleo e gás”, disse o general. Nesta semana, Bolsonaro disse que “nem passa por nossa cabeça a palavra privatização” de empresas estratégicas, como Furnas, Caixa e BB.
Sobre energia, Ferreira declarou que continuaria a apostar em hidrelétricas, além das fontes eólica e solar. O planejamento inclui a retomada das discussões dos projetos no Rio Tapajós, que foram arquivados pelo Ibama por obstáculos com questões indígenas e ambientais. Ferreira garantiu ainda que a usina nuclear de Angra 3 teria de ser concluída, apesar do alto custo do projeto, avaliado em R$ 17 bilhões. “Seria muito desperdício desistir do projeto, isso afetaria toda a cadeia do setor. Tem de concluir o que começou.”
Logística – Nas ferrovias, o plano das tradings de grãos de levar adiante a proposta de construir a Ferrogrão, entre Mato Grosso e Pará, é visto com ceticismo pela equipe de Bolsonaro. A avaliação é de que a construção enfrenta resistência ambiental e que o projeto prioritário para o escoamento agrícola deve ser a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), que corta o Mato Grosso, ligando-se à Ferrovia Norte-Sul. Na área de transportes, a cúpula de infraestrutura entende ainda que a Valec poderia ser extinta ou absorvida pelo Ministério dos Transportes, enquanto a EPL poderia ter seus estudos incorporados pelo BNDES.
Na área de rodovias, a prioridade seria concluir a BR-163, no Pará, e a BR-319, entre Porto Velho e Manaus. Ferreira disse que, a despeito da aproximação do eventual governo Bolsonaro com militares, o departamento de engenharia do Exército não teria sua atuação ampliada, mantendo-se com perfil limitado para, apenas, “adestrar” seus soldados. “O Exército não vai competir com setor privado.”
Meio ambiente – Ibama e ICMBio seriam um mesmo órgão, ou seja, toda a parte de proteção de unidades de conservação federal voltaria a ser função do Ibama. A área de licenciamento ambiental passaria por uma mudança profunda, com uma estrutura de funcionamento similar à da Advocacia Geral da União (AGU): servidores do Ibama seriam enviados para diversos órgãos, para cuidar de licenciamentos ambientais específicos.
O general garantiu ainda que, a despeito do interesse do agronegócio na região amazônica, não seria permitida a expansão da produção de soja, milho e cana na região. “Sou um desenvolvimentista, não um ambientalista. Mas a Amazônia não é para isso. Seria uma grande burrice.”