As Forças Armadas vão atuar durante as eleições em 510 localidades de 12 Estados do País, mas veem risco em dois deles, Rio de Janeiro e Fortaleza, como consequência da crise regional na segurança pública e da ação do crime organizado.
Outro braço do processo de garantia do ciclo de votação, a Polícia Federal (PF) identificou também em São Paulo a possibilidade de haver choques diretos entre grupos de apoiadores dos candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). O risco é avaliado na condição dois, em uma escala de quatro.
O Ministério da Defesa montou uma operação nacional de Garantia do Voto e da Apuração (GVA) destinada a assegurar o acesso dos eleitores aos locais de votação e o funcionamento, sem constrangimento, das seções coletoras. O efetivo militar mobilizado é de 30 mil homens e mulheres. Outros 4 mil permanecem em regime de reserva.
A coordenação do procedimento será feita a partir do Centro Operativo de Comando Conjunto (COC), que começou a funcionar ontem no 5º andar do edifício do ministério, ligado a estruturas menores do mesmo tipo existentes nos comandos da Amazônia, Norte, Nordeste, Oeste e Leste – nos quais há atividade significativa da tropa na eleição. O investimento da Defesa na GVA é de RS$ 18,7 milhões.
Plano especial – A definição do tamanho do grupo da Defesa que vai trabalhar no Rio exigiu um plano especial. Sob intervenção federal na segurança pública desde fevereiro, houve dificuldade para separar os efetivos de cada compromisso. Há receio de que facções criminosas ligadas ao narcotráfico e a milícias comprometidas com roubo de carga, contrabando de armas e venda clandestina de serviços possam constranger os moradores das áreas que controlam. Cerca de 1,7 milhão de eleitores registrados no TRE-RJ vivem e votam nas “zonas vermelhas” – 184 favelas ou núcleos de ocupação.
O programa total, estruturado pelo Ministério da Segurança Pública, abrange a PF, Exército, Marinha, Aeronáutica, Força Nacional, polícias estaduais, guardas municipais, polícias rodoviárias, bombeiros, Agência Nacional de Inteligência e times designados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – no total, cerca de 280 mil pessoas. O ministro Raul Jungmann afirmou ontem, na abertura do Centro Integrado de Controle da Segurança, que “até agora não foram detectados indícios consistentes de conflito ou violência entre grupos políticos”.
De acordo com o almirante Ademir Sobrinho, chefe do Estado Maior Conjunto do Ministério da Defesa e comandante da GVA, a missão foi estruturada considerando um período de acompanhamento e informações produzidas por diversas fontes do setor de inteligência. “A Defesa só se movimenta atendendo a solicitações da Justiça eleitoral de cada Estado, trabalhando em duas vertentes: a proteção do processo, com a mobilização de pessoal, e o apoio logístico, que implica, por exemplo, o transporte de urnas com as equipes de funcionários.”
Na Amazônia, a Força Aérea está empregando cinco aeronaves, entre as quais três grandes helicópteros Black Hawk, 17 veículos diversos e 408 militares para levar 195 urnas a pequenas comunidades situadas em pontos distantes da fronteira do Brasil com a Bolívia e o Peru.
A área de inteligência da Polícia Federal está monitorando há vários meses o trânsito de mensagens, compartilhamentos, conteúdo e postagens nas redes sociais. Ameaças e discursos de ódio são analisados por peritos treinados para avaliar o grau de perigo real. Adelio Bispo, o autor do ataque a faca contra Jair Bolsonaro, dia 6 de setembro, em Juiz de Fora (MG), não estava sob vigilância eletrônica.
Segundo um agente dedicado a esse trabalho, a preocupação da PF em São Paulo está centralizada na militância de organizações de direita e esquerda que pretendam inibir eleitores ou que não aceitem o resultado. O esquema de plantão em regime especial será mantido até a meia noite de segunda-feira8. Se houver um segundo turno da votação, será reativado por uma semana, de 22 a 29.
Tráfico – Na política há 30 anos, o deputado federal Luiz Sérgio (PT), candidato à quinta reeleição, nunca havia passado por um momento tão delicado em uma campanha eleitoral quanto o que viveu em sua cidade natal, Angra dos Reis, no mês passado. Em um cenário em que o município do litoral sul fluminense vive um conturbado cenário de violência, com uma guerra de facções pelo tráfico, o parlamentar foi impedido de distribuir panfletos por emissários de criminosos.
“Nunca tinha passado por este constrangimento. Estava no Camorim Grande, um dos locais mais conflagrados de Angra, e recebi um recado de que não poderia subir, que não era bem-vindo. Justo um lugar que ajudei a urbanizar quando fui prefeito (entre 1993 e 1996)”, lamentou. “Isso é muito preocupante e gera indignação. Reflete uma realidade que não existia em eleições passadas. É a negação da cidade”.
Luiz Sérgio é apenas um dos candidatos a sofrer este tipo de intimidação no Estado do Rio em territórios dominados por traficantes ou por milicianos. O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) informou ao Estado que não dispõe de números de denúncias deste pleito, tampouco das eleições de 2016 e 2014.
Na contramão das reclamações de candidatos, o presidente da Corte, desembargador Carlos Eduardo da Fonseca Passos, os trabalhos da chamada Coalização Eleitoral, grupo integrado pela Corte, o Ministério Público Eleitoral e órgãos de segurança, “têm sido conduzidos em clima de total normalidade”.
“Não há registro de qualquer intercorrência de maior relevância. Não houve, até o momento, qualquer ação ostensiva de organizações criminosas envolvendo o processo eleitoral”, afirmou. “A Coalizão Eleitoral foi formada justamente com objetivo de, mediante congregação de esforços e apoio mútuo, garantir a legitimidade do processo eleitoral, e tem produzido resultados relevantes. A partir do momento em que organizações criminosas se imiscuem nos debates e na disputa eleitoral, certamente, haverá reflexos na própria segurança do processo como um todo.”
Nas eleições de 2014, a estimativa das forças de segurança era que em cerca de 40 comunidades a campanha era controlada por grupos de criminosos, inclusive com ocorrência de voto de cabresto. No dia a dia da campanha, os candidatos têm excluído de suas agendas áreas de influência forte de traficantes e milicianos, a fim de evitar coações e exposição de apoiadores a riscos.
“Estive na Vila Aliança (zona oeste do Rio) e uma pessoa colocou uma pistola no meu vidro. Acho que pensou que eu era da Polícia. Isso é uma vergonha”, disse um deputado estadual do PT, que pediu para não ter o nome publicado. “A gente recebe informações de que tem lugar proibido mesmo, na Vila Kennedy (zona oeste), em São João de Meriti (Baixada Fluminense). Quando marcamos em favela, temos que ter alguém te esperando no acesso.”
Presidente licenciado do Sindicato dos Policiais Civis do Rio, Marcio Garcia (PSC), candidato a deputado estadual pela primeira vez, também toma cuidados. “Dou muitas entrevistas e posso ser reconhecido como policial. Não vou a lugares que possam oferecer risco à minha vida. Existem regras veladas.”
Conforme a Secretaria de Segurança, as áreas de Inteligência do TRE e das polícias estão mapeando e investigando toda as denúncias envolvendo candidatos. Passado outubro, o TRE vai analisar a votação em áreas com suspeita de intimidações. Em outra frente, para ajudar o eleitor, a secretaria incluiu denúncias eleitorais em seu aplicativo de celular Emergência RJ, com garantia de anonimato.