Vigente há um ano, a reforma trabalhista ainda não trouxe resultados relevantes em termos de geração ou formalização de empregos. Enquanto especialistas dizem que o tempo é curto para medir seus resultados práticos, uma das consequências da nova legislação já pode ser observada nitidamente: a crise dos sindicatos. A revista Veja publicou nesta quinta-feira (22) que, com o fim da obrigatoriedade do pagamento da contribuição sindical, essas entidades hoje enfrentam dificuldades financeiras sem precedentes, recorrendo à venda do próprio patrimônio e à demissão de funcionários para se manterem.
Antes da mudança, trabalhadores eram obrigados a colaborar anualmente com um dia de salário em benefício do sindicato de sua respectiva categoria. Atualmente, o pagamento é optativo. Segundo dados do Ministério do Trabalho, os valores pagos por meio de imposto sindical caíram cerca de 85% (no acumulado de janeiro a setembro, foram arrecadados 1,9 bilhão de reais, em 2017, e 276 milhões de reais, em 2018). Apesar da queda brusca na receita, o número de sindicatos teve leve alta, de 16.517 no último ano para 16.663 na parcial mais recente.
De um lado, sindicalistas denunciam um “crime”, enquanto apoiadores do fim da arrecadação compulsória se dizem em defesa da “liberdade” do trabalhador. “A legislação eliminou o custeio dos sindicatos, sem nenhuma transição ou verba que substitua, foi um crime. Seguimos dando assistência jurídica gratuitamente, promovemos uma série de atividades coletivas, fazemos negociações que beneficiam tanto associados quanto não associados… e não podemos ter nosso custeio”, expõe Ricardo Patah, presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores) e do Sindicato dos Comerciários de São Paulo.
O sindicato presidido por Patah é justamente um símbolo do momento delicado: apesar de contar com uma base de mais de 450 mil trabalhadores e quase 80 anos no existência, enfrenta dificuldades para se viabilizar financeiramente e vendeu uma sede na rua Santa Ifigênia, região central de São Paulo, por 10,3 milhões de reais no último mês de junho. A venda ocorreu pouco antes de o STF votar a questão do fim do imposto obrigatório, mantendo o padrão de contribuição facultativa. “Estamos nos adaptando à nova ordem, diante desse crime de não haver tempo de transição e toda a demagogia de que ‘nada pode ser obrigatório’. A política veio para cima do movimento sindical”, desabafa.
“Patéticos” – Autor do projeto de lei que incluiu o item sobre a contribuição sindical na reforma trabalhista, o deputado federal Paulo Martins (PSC-PR) classifica como “patéticos” os argumentos dos sindicalistas. “Isso é ridículo, que tempo de transição eles pedem? Recebem dinheiro desde 1937, não se prepararam? Não deu tempo? O que eles querem é a manutenção da ‘teta’. Desmamar é mais difícil do que procurar retomar a ‘teta’ para continuar mamando. Querem subterfúgios jurídicos para manter esse regime que era um sustentáculo para aparatos do poder”.
Suplente na legislatura anterior, Martins foi eleito para um novo mandato e prepara projetos relacionados ao tema a serem apresentados já no início de 2019: “primeiro nós acabamos com esse absurdo de imposto compulsório, o trabalhador tem que pagar por aquilo que acha útil, é uma questão de liberdade. O próximo passo é dar fim à unicidade sindical. Essa história de que quando um sindicato recebe autorização de representar uma categoria, não podemos ter outro na mesma área. É assim que o sindicalista vira um ‘rei’, tem o monopólio e quem está descontente não tem opção. Quero que haja concorrência e o trabalhador possa escolher ser representado pelo sindicato que cobrar menos e entregar mais, ou até mesmo nem ter sindicato. Isso é liberdade, é o que chamo de ‘darwinismo sindical’, os melhores sobrevivem”.
Martins diz que as medidas não visam acabar com a representação social, mas sim aprimorá-las. “Acabando com o ‘monopólio’ de alguns, estamos lutando pela liberdade dos próprios sindicatos, e o trabalhador poderá contribuir voluntariamente se for bem representado. Sindicatos são importantes quando de fato lutam por direitos coletivos, mas o problema é quando atuam como braço de um partido. Foi assim com Getúlio Vargas, e por isso mesmo foi criado o imposto sindical. Depois se tornaram braço do `lulopetismo`, se focam na política e prejudicam os trabalhadores”, avalia. “A própria CUT e o Lula defendiam o fim da contribuição sindical no passado, entendiam que com imposto os sindicatos se tornariam aparelhos do governo.”
Arrecadação – Presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Vagner Freitas nega qualquer contradição no discurso da entidade. “A CUT é sim contra o imposto sindical, nasceu dizendo isso. Mas defendemos que outra forma de contribuição seja discutida com os trabalhadores para que continuem sendo representados. Os sindicatos não conseguem sobreviver apenas com seus associados no Brasil, um país onde trabalhadores são pressionados e podem ser demitidos quando se sindicalizam. Se houvesse autonomia, talvez não precisássemos de outra fonte, mas existe perseguição”, afirma.
Freitas relata uma queda de arrecadação de cerca de 80% da CUT no último ano, o que culminou em um plano de demissão voluntária com a saída de aproximadamente 45% dos funcionários em âmbito nacional. Como medida para levantar recursos, a entidade tenta a venda da sua sede no Brás, centro de São Paulo. No início do ano, houve negociação do terreno com a Igreja Mundial do Poder de Deus, liderada pelo pastor Valdemiro Santiago, que estaria disposta a pagar 40 milhões de reais pelo imóvel.
“Houve essa negociação com a igreja, o que seria bom para as duas partes, mas não se concretizou. Hoje estamos em busca de novos interessados, queremos mudar para um lugar mais barato, não acho que diminuir a estrutura seja um grande problema. O mais grave é não ter recursos para lutar pelos direitos dos trabalhadores, temos todo um custo para contratar advogados, por exemplo. Ou para fazer um comício, que necessita de estrutura de som e demanda gastos com gasolina. Sem arrecadação, perdemos essa condição”, conta o sindicalista.
Organizada de forma similar à CUT e dependente de contribuições dos próprios sindicatos, a Força Sindical viu sua arrecadação despencar de 50,9 milhões de reais, em 2017, para 4,7 milhões de reais, neste ano. O quadro de funcionários caiu de 150, com atuação em todo o Brasil, para 16 – todos em São Paulo. Segundo o secretário-geral da organização, João Carlos Gonçalves, o “Juruna”, a sede, localizada no bairro paulistano da Liberdade, hoje se encontra à venda, seguindo o exemplo do resto da classe.
“Estão criminalizando o poder do trabalhador. O sindicato atende a todos os trabalhadores e suas conquistas beneficiam a todos. A reforma trabalhista se propôs a fortalecer o negociado sobre o legislado, mas quebrou as instituições que representam os trabalhadores na negociação. No momento temos que cortar custos, demitir funcionários e até médicos que atendem nos ambulatórios”, comenta Juruna.