A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta quarta-feira (28), por unanimidade, manter com a Justiça estadual da Bahia as investigações sobre a chacina do Cabula. A Procuradoria-Geral da República (PGR) pedia a transferência das apurações para a Justiça Federal, com o argumento de que falta isenção na condução do processo por parte das autoridades baianas.
O episódio ocorreu em Salvador em fevereiro de 2015. Na ocasião, nove integrantes das Rondas Especiais da Polícia Militar da Bahia realizaram uma operação em Vila Moisés, bairro do Cabula. Doze pessoas de 15 a 28 anos morreram baleadas e outras seis ficaram gravemente feridas.
A PM alegou que teria reagido a disparos de arma de fogo iniciados pelas vítimas, descritas como possíveis usuários ou traficantes de drogas.
O inquérito policial para apuração do caso foi aberto no mesmo dia, em 6 de fevereiro. A versão apresentada foi a de que houve confronto com Polícia Militar, uma vez que havia notícia de que as vítimas se preparavam para furtar caixas eletrônicos. A atuação da Polícia Militar, segundo concluiu a apuração policial, seria resposta à injusta agressão.
Mas de acordo com a PGR há fundados indícios de violência policial na incursão. O Ministério Público do Estado da Bahia teve entendimento semelhante. Denunciou os nove policiais, sustentando na peça acusatória que eles “encurralaram e executaram sumariamente” as 12 vítimas.
A denúncia foi recebida em maio de 2015, mas os policiais acabaram absolvidos em julho por decisão da juíza estadual Marinalva Almeida Moutinho. A sentença foi anulada em setembro deste ano e os PM’s voltaram à condição de réus.
Na época, a juíza que inocentou os PMs estava substituindo o juiz Vilebaldo José de Freitas Pereira, que era responsável pelo caso. Ele saiu de férias no período em que ocorreu o julgamento.
Segundo o MP-BA, esta situação foi uma das causas que motivaram o anulamento da decisão, já que a juíza não estava instruída sobre o caso.
De acordo com o MP-BA, o processo retornou para o 1º Juízo da 2ª Vara do Júri, onde será analisado novamente.
Investigações – A PGR pediu o deslocamento das investigações, porque considerou que a condução do processo não foi isenta. Janot cita a fala do então secretário de segurança pública, Maurício Barbosa, que disse “preferir acreditar na versão dos meus policiais até que algum outro fato apareça”.
“A resposta da polícia tem que ser dura e energética [enérgica] no combate ao crime organizado”, afirmou na oportunidade.
O pedido de deslocamento das investigações relembra ainda uma fala do governador da Bahia, Rui Costa (PT), que defendeu a ação policial ao dizer que ‘um PM de arma em punho é como um artilheiro em frente ao gol”.
“O caso ora examinado traz indícios fortes – que merecem apuração adequada – de que agentes do Estado promoveram verdadeira execução, sem chance de defesa das vítimas, o que configura hipótese de grave violação de direitos humanos, a exigir pronta atuação dos poderes constituídos do Estado brasileiro, especialmente no âmbito da União, no sentido de restaurar o Estado de Direito na região”, diz o pedido da PGR.
A PGR sustenta ainda que foram feitos 143 disparos, sendo 88 certeiros, o que resulta em quase 10 tiros certeiros por acusado.
“Há registro de inúmeros ferimentos causados por disparos deflagrados de trás para frente – ou seja, com as vítimas de costas – e de cima para baixo, além de vários nos braços e mãos (uma das vítimas com ferimentos em ambas as mãos), com características de posição de defesa, tudo segundo os laudos cadavéricos acostados ao inquérito”, diz o documento, apresentado em junho de 2016 pelo então procurador-geral Rodrigo Janot.
O relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, votou para manter o caso na justiça baiana, alegando que não há evidência da falta de neutralidade na atuação do órgãos da Justiça Estadual baiana.
“Assim, não vislumbro no caso concreto o preenchimento dos terceiro requisito autorizador de deslocamento de competência, já que não há evidência de que os órgãos do sistema da Justiça Estadual careçam de isenção ou das condições necessárias para desempenhar até o momento as funções de apuração processamento e julgamento do caso”, afirmou relator.
“Aqui no caso eu também entendo que com a tomada da posição do TJ (de anular a sentença) a situação foi resolvida sem a necessidade de uma medida drástica com essa do deslocamento”, disse a ministra Laurita Vaz.
Também seguiram o relator os ministros Joel Ilan Paciornik, Antonio Saldanha Palheiro, Ribeiro Dantas, Félix Fischer, Jorge Mussi, Sebastião Reis Junior e Nefi Cordeiro.