Delações e documentos reunidos no Brasil e na Venezuela indicam que a construtora brasileira Odebrecht pagou mais de R$ 630 milhões (US$ 173 milhões) em propinas e financiamentos ilegais de campanhas venezuelanas em oito anos. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, os valores são quase o dobro do mencionado no acordo entre a Odebrecht e o Departamento de Justiça dos EUA que, em 2016, estimou os pagamentos de propina da construtora na Venezuela em US$ 98 milhões.
Autoridades da Venezuela que conduziram a fase inicial das investigações sobre a Odebrecht suspeitam que os pagamentos da construtora brasileira tenham, portanto, sido superiores ao que a empresa admitiu à Justiça americana.
Esses repasses se tornaram um dos pilares da manutenção da elite chavista, embora parte tenha sido destinada também a partidos opositores.
Apenas para a campanha presidencial de Nicolás Maduro, mais de R$ 110 milhões (US$ 30 milhões) foram destinados pela construtora, segundo a investigação. Em troca, a empresa brasileira foi favorecida em mais de uma dezena de contratos públicos entre 2006 e 2014.
As informações fazem parte da investigação conduzida pela Procuradoria da Venezuela, quando o organismo ainda estava sob comando de Luisa Ortega Díaz. Em 2017, ela fugiu para o exterior depois de entrar em choque com o governo Maduro. Parte dos dados foi levada por ela e seus assessores ao escapar. Em Caracas, o trabalho foi abandonado pelos procuradores que a substituíram.
Os valores sob suspeita seriam resultado de uma compilação de documentos confiscados, extratos bancários e informações colhidas a partir de delações premiadas.
Os investigadores analisaram os depoimentos dos ex-funcionários da Odebrecht, Euzenando Azevedo, Alessandro Gomez, Marcos Grillo, Hilberto Silva, Luis Eduardo da Rocha Soares, Fernando Miggliaccio e outros encarregados dos contratos da empresa na Venezuela.
Também consta na apuração o depoimento de funcionários do Bank Meinl, instituição financeira que serviu como banco privado da Odebrecht para centenas de transferências de propinas pela América Latina.
Os dados mostram uma ampla rede de empresas offshore usadas em paraísos fiscais na Europa e no Caribe para receber os valores ilegais, por meio de operadores e companhias de fachada. No inquérito aparecem políticos locais, regionais e nacionais, além do núcleo duro do chavismo. No caso da campanha de Maduro, havia menção a “contratos fictícios” entre empresas de fachada e contas no exterior.
Dados tabulados na investigação iniciada na Venezuela – e que não avançou após Maduro colocar Tarek William Saab como procurador-geral – apontam US$ 35 milhões para a campanha eleitoral de Maduro contra Henrique Capriles, em 2013 .
O conjunto de documentos aponta a transferência de US$ 29.331.107 por meio de 13 pagamentos, realizados entre 23 de setembro 2013 e 27 de maio de 2014. O período é posterior à eleição, realizada em abril de 2013. Parte do dinheiro, US$ 9,93 milhões, foi transferida a partir do Bank Meinl, no qual a Odebrecht mantinha contas que utilizava para fazer pagamentos não contabilizados. Uma dessas contas era da Cresswell Overseas, uma offshore vinculada à Odebrecht.
O intermediário entre a Odebrecht e Maduro, segundo a investigação, foi Americo Alex Mata Garcia. Coordenador da campanha presidencial de Maduro em 2013, ele teria pedido e recebido pagamentos da Odebrecht em nome do governo venezuelano. Ao final foram entregues US$ 35 milhões, embora o pedido inicial fosse de US$ 50 milhões.
Os documentos mostram que pelo menos US$ 30 milhões foram movimentados em operações não contabilizadas. Como se revelou nas investigações sobre o grupo empresarial, os contratos fictícios de prestação de serviços eram um dos meios utilizados pela Odebrecht para formação de caixa 2.
Na Venezuela, um dos contratos fictícios identificados está relacionado a obras do Projeto Agrário Integral Socialista José Inácio Abreu e Lima. O contrato foi firmado entre a Odebrecht e a PW Trading VC, empresa de representação comercial, que atua como intermediária entre fabricantes e compradores.
Procurado por e-mail, o governo venezuelano não deu respostas à reportagem. A Odebrecht, em um comunicado, indicou que “tem colaborado de forma eficaz com as autoridades dos vários países nos quais atua em busca do pleno esclarecimento de fatos narrados pela empresa e seus ex-executivos”. “A Odebrecht já usa as mais recomendadas normas de conformidade em seus processos internos e segue comprometida com uma atuação ética, íntegra e transparente”, disse a empresa.
Para lembrar – A revelação das delações de executivos da Odebrecht mencionando pagamentos ilícitos no exterior chegou também a Henrique Capriles, que já foi o principal nome de oposição a Nicolás Maduro. Embora Capriles tenha negado veementemente que tenha recebido recursos, Euzenando de Azevedo, ex-chefão da empreiteira em Caracas, afirma em sua delação que acertou com um intermediário a doação de US$ 15 milhões para o candidato a presidente na campanha de 2012, quando ele enfrentou Hugo Chávez. Azevedo disse que foi recebido por Capriles na casa do político em Caracas.
Naquele ano, Capriles obteve 44% dos votos e perdeu para Hugo Chávez, que foi reeleito e morreu cinco meses depois. Ex-diretor da Odebrecht em Caracas, Azevedo contou em sua colaboração premiada que transferiu dinheiro fora da contabilidade oficial a Capriles para ajudá-lo na campanha, como “forma de não depositar todos os ovos da empreiteira em uma única cesta”. Capriles está impedido pela Justiça de disputar cargos públicos, o que explica em parte a ascensão de Juan Guaidó.