O conselho de administração da holding do grupo Odebrecht, conhecida pela sigla ODB, deve formalizar nesta segunda-feira (17) o aval para um pedido de recuperação judicial. A expectativa é que a petição seja levada à Justiça ainda nesta segunda-feira, com um volume total listado superior a R$ 80 bilhões em compromissos, conforme o jornal Valor apurou com fontes próximas a essa operação. Será a maior recuperação judicial já realizada no Brasil, acima da homologada no início de 2018 pela empresa de telefonia Oi, com R$ 64 bilhões renegociados.
Dentro do valor total, mais de R$ 50 bilhões são as dívidas concursais detidas ou garantidas pelas holdings e outras subholdings do grupo que serão alvo de renegociação. O volume completo inclui, ainda, diversos compromissos dentro do próprio grupo, de empréstimos entre companhias.
A Odebrecht e seus assessores financeiros e legais ainda estão trabalhando na formatação da petição inicial que listará as dívidas, conforme o Valor apurou. Os valores exatos ainda não estavam definidos até o fechamento desta edição. O processo está sendo conduzido pela RK Partners, de Ricardo Knoepfelmacher, e pelo escritório E. Munhoz Advogados, de Eduardo Munhoz.
Os principais grupos de credores que estarão na recuperação judicial são os seis maiores bancos brasileiros, os detentores de bônus emitidos fora do Brasil e garantidos pela OEC (Odebrecht Engenharia e Construção) e também agências de crédito do Peru, com destaque para seguradoras.
Os bondholders, como são conhecidos os detentores dos bônus, farão parte da recuperação judicial, mas a negociação dos US$ 3 bilhões referentes a esses títulos será feita separadamente, toda conduzida pela OEC numa recuperação extrajudicial. Os títulos foram emitidos pela subholding OFL, mas são garantidos pela construtora. Essa reestruturação tem, até mesmo, outros assessores. Quem está à frente das conversas são a Moelis & Company e o escritório Cleary Gottlieb Steen & Hamilton. Ao aprovarem uma renegociação para esses papéis, esses credores também devem assinar um documento chamado de Plan Support Agreement (PSA), que incluirá aval ao plano da holding.
Além da falta de liquidez, a principal motivação da ODB para pedir a recuperação judicial são as execuções que passou a sofrer pela Caixa Econômica Federal desde que a companhia de etanol Atvos foi colocada em recuperação judicial, no fim de maio. A instituição não executou o crédito que possui nessa empresa – R$ 500 milhões, com aval ODB – mas disparou uma série de outras cobranças.
As iniciativas recaem principalmente sobre operações que envolvem o FI-FGTS e que tenham como garantia apenas o aval da holding, segundo fontes. Os processos correm sob segredo de Justiça. O banco tem R$ 2,2 bilhões em empréstimos ao grupo, mais R$ 1,5 bilhão em exposição do FI-FGTS, segundo fonte que acompanha a situação.
O movimento de cobrança da Caixa estava colocando as demais instituição sob pressão, em especial o Banco do Brasil, que também possui créditos sem garantia e que não adotou ações de cobrança.
Nos últimos dias, o Bradesco liderou um movimento para tentar organizar outros bancos credores em favor de uma recuperação extrajudicial. Embora tenha sido importante para o diálogo sobre soluções, não houve evolução. O pedido de proteção à Justiça não pega os bancos de surpresa e alguns já demonstram resignação.
Conforme o Valor antecipou na sexta-feira, a ODB pretende transformar cerca de R$ 20 bilhões das dívidas financeiras em instrumento semelhante a uma debênture de participação nos lucros (DPL). Esses papéis ficarão numa nova holding e deverão ter valor de face cheio, mas sem vencimento e sem juros. Terão direito apenas a recursos que podem vir de venda de ativos e dividendos das controladas. Do total devido, há expectativa de que outros R$ 7 bilhões sejam cortados na reestruturação da OEC.
De acordo com a publicação, os três principais ativos que poderão render saldo a essa holding com as DPLs são a OEC e a Atvos, após cada uma reestruturar seus próprios vencimentos, e ainda a petroquímica Braskem.
Nesse caso, há uma complexidade. As ações que a Odebrecht detém da Braskem – 50,1% das ordinárias e 23% das preferenciais – foram dadas em garantia para Itaú, Bradesco, Banco do Brasil, BNDES e Santander, na forma de alienação fiduciária (crédito extraconcursal). Apesar do compromisso já existir, o plano da ODB é tentar usar cerca de 30% dessa garantia para atrelá-la às DPLs. Os detentores dessas garantias, porém, terão de concordar. A Caixa tem ativamente pleiteado participar dessa cobertura e as conversas sobre esse tópico entre os bancos donos das garantias já começaram, segundo fontes próximas ao caso.
Desde novembro de 2018, quando contratou a RK Partners, a Odebrecht tentava renegociar as dívidas da holding e de algumas controladas. O grupo e dedicou os últimos anos a encerrar as pendências legais após a Operação Lava-Jato, por meio de acordos de leniência no Brasil e outros países, e também a construir uma estrutura de governança e controles.
A Odebrecht se sustentou basicamente com recursos próprios desde a Lava-Jato e manteve os pagamentos em dia até o fim de 2018. O único crédito novo foram R$ 2,6 bilhões fornecidos por Itaú e Bradesco em maio do ano passado. No total, nesse período, a Odebrecht deixou na mesa cerca de R$ 22 bilhões, segundo cálculos de pessoas próximas à situação. Esse montante inclui cerca de R$ 9 bilhões em ativos vendidos pela ODB e pela Odebrecht TransPort (OTP), mais juros e dívidas pagas.
A expectativa do grupo era que encerrar as pendências com a Justiça, criar uma governança robusta e se manter em dia com as dívidas ajudariam numa saída negociada para os compromissos.