A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aceitou parcialmente nesta quarta-feira (06) denúncia do Ministério Público Federal (MPF) no âmbito da Operação Faroeste, que investiga um suposta esquema de venda de sentenças e outros crimes para possibilitar a grilagem de terras no Oeste Baiano.
Com isso, tornaram-se rés 15 pessoas, entre elas os desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) Gesivaldo Britto, Maria do Socorro Santiago, Maria da Graça Osório Leal e José Olegário Caldas e os juízes estaduais Sérgio Humberto de Quadros Sampaio, Marivalda Moutinho e Márcio Reinaldo Braga.
Relator do caso no STJ, o ministro Og Fernandes rebateu, em sessão virtual, a defesa feita por vários advogados pela nulidade do processo, por desconhecerem os termos de delação premiada do advogado Júlio César Ferreira. “Ocorre que essa colaboração e a operação feita este ano não são tratadas nessa ação penal, isso é, ela [a delação] não é referida nem foi juntada nesse processo”, afirmou o ministro.
O relator apontou ainda a existência de “alas” antagônicas no TJ-BA que brigam pela obtenção de “vantagens” ilícitas. “No contexto atual, o que se observa, e teremos vários desdobramentos, porque há uma sucessão de fatos que serão objetos de investigação, são nichos dentro do tribunal, nem sempre harmônicos entre si, que atuam nesse sentido”, disse.
O ministro afirmou ainda que, em todos os seus anos de magistratura, jamais lidou com uma investigação judicial “com tantas pessoas investigadas e tantas nuances”.
Também tornaram-se réus Antônio Roque Neves, Júlio César Ferreira, Karla Janayna Leal, Adailton Maturino, Márcio Duarte, Geciane Souza Maturino, José Valter Dias e Joílson Gonçalves Dias, apontados pela Procuradoria como operadores financeiros e beneficiados pelo esquema. Seis magistrados estão afastados dos cargos – apenas Márcio Braga continua exercendo as funções. Maria do Socorro, Sérgio Quadros, Antônio Roque, Adailton Maturino, Geciane Maturino e Márcio Duarte seguem presos.
Segundo a Procuradoria, a organização criminosa atuou entre os anos de 2013 e 2019, com liderança de Adailton Maturino, que teria montado um esquema para tentar validar matrículas de imóveis em nome do borracheiro José Valter Dias. Isso daria a ele a posse de 366 mil hectares de terra, área equivalente a cinco vezes o tamanho de Salvador. A investigação envolve aquele que é denominado como o maior processo de grilagem de terras do país. Para viabilizar as atividades criminosas, Maturino chegou, conforme a denúncia, a constituir uma empresa de fachada, cujo capital social declarado era de R$ 580 milhões.
Julgamento – A sub-procuradora-geral da República, Lindora Araújo, avaliou que o ministro Og Fernandes não teve “um pouco de paz” na relatoria do caso por causa da quantidade de recursos impetrados pelas defesas dos acusados. Ela apontou Adailton Maturino como chefe da organização criminosa. Lembrou que ele se apresentava como cônsul da Guiné-Bissau, mas “não era um cônsul de verdade”. Ainda disse que o grupo criou um “paraíso no Oeste” para movimentar cifras que, segundo as investigações, chegariam a R$ 1 bilhão.
Lindora retratou como seria o esquema. “Virou uma coisa quase que familiar no tribunal. […] Cada sentença ia ficando mais cara”, relatou. “A organização era muito grande e sem medo de ser pega. Era um filho de um, cunhado, um genro…”, exemplificou.
Advogado de Maria da Graça Leal, Sérgio Habib classificou a denúncia como um tambor: “Faz zuada, mas é oca”. Também chamou a peça do MPF de “novela”.
Defensor de Antônio Roque, Rafael Oliveira defendeu que o STJ não seria competente para processar fatos imputados ao cliente, que é servidor do TJ, e não desembargador ou governador. Além disso, pediu desmembramento do processo, com remetimento à primeira instância, e soltura de Antônio Roque.
Maurício Vasconcelos, da defesa de Joilson Dias, filho de José Valter Dias, disse que o enriquecimento de filho e pai ocorreu porque eles eram donos de uma oficina. “Eram os donos da única oficina de motores e máquinas agrícolas da região”, argumentou. Ele ainda se queixou da mídia e do MPF por se referirem aos dois como borracheiros. “Vejo tamanho desprezo por duas figuras humanas no pólo passivo de uma ação penal”, afirmou. O advogado ainda acusou imprensa e Ministério Público de “repetirem mentira, como Joseph Goebbels, até se tornar verdade”
O advogado de José Valter, Aloísio Santos, também negou os atos ilícitos apontados e a acusação de lavagem de dinheiro. “Como pode se lavar dinheiro com empresa lícita?”, questionou.
Ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo foi o responsável pela defesa de Geciane Maturino. “Escandalosamente inepta e viciada a denúncia contra Geciane. Não se descreve a conduta dela. O seu ilícito é ser casada com o senhor Maturino, é a certidão de casamento”, alegou. Ele ainda sustentou que um acordo selado com a ajuda do senador Ângelo Coronel e homologado pela Justiça, que prevê o pagamento de sacas de soja a José Valter pela exploração da terra, é ilícito porque foi homologado pela via judicial. “O dinheiro estava sendo pago ao dono da terra por pessoas que exploravam a terra”, disse.
Representante de Márcio Duarte, o advogado João Marcos Braga de Melo também pediu o desmembramento da denúncia e envio do caso para a primeira instância. Segundo o defensor, Márcio teve seus sigilos quebrados e não foi encontrada uma única transação com a desembargadora Maria do Socorro, sua sogra. “Ligações atribuídas ao defendente foram, na sua maioria, entre Mariana Santiago e Maria do Socorro, a rigor, entre mãe e filha. Ela [Mariana] possuía linha em nome de Márcio”, alegou Melo.
Já o advogado Bruno Espiñera Lemos, que defende Maria do Socorro, concentrou boa parte do seu tempo de fala a tentar convencer os ministros do STJ a concederem liberdade provisória ou mesmo prisão domiciliar à cliente. Espiñera destacou que a ex-presidente do Tribunal de Justiça da Bahia é uma idosa de 67 anos, portadora de diabetes e hipertensão, o que a coloca, portanto, como integrante de grupo de risco caso contraia o novo coronavírus. Ele destacou os casos de contaminação relatados na Papuda, onde Maria do Socorro, está detida e pediu “empatia” dos julgadores. “Se tem um ser humano preso em tempos de pandemia, com evidente risco de morte. Se isso ocorrer, restará à família pedidos de desculpa do Estado, ou será que nem mesmo isso?”, questionou. O advogado ainda negou que sua cliente tenha determinado a destruição de provas.
Representante de Márcio Braga, Fernando Santana destacou que o juiz foi o único não afastado em decisões anteriores do relator. ” A extensão da acusação em face de Márcio Braga guarda extrema distinção em relação às acusações feitas em relação aos demais 14 denunciados”, apontou.
O advogado Gaspar Saraceno, contratado por Marivalda, classificou a denúncia como “confusa, mais do que inepta, uma peça que morre no seu nascedouro, pela sua falibilidade”. “Qual o dinheiro que teria sido objeto de lavagem? A essência é o dinheiro, o capital. Sua Excelência, subprocuradora, incorre em equívoco letal, porque não diz que dinheiro, em que intensidade, quanto se pagou, quem pagou, quem recebeu”, acrescentou. “Se trata de uma peça desapossada de credibilidade na técnica jurídica”, finalizou o advogado.
Defensor de Sérgio Humberto, André Hespanhol afirmou que o juiz foi denunciado apenas pela prática de dois atos processuais: o cumprimento de uma decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e homologação de um acordo judicial. “É imputado a Sérgio Humberto movimentar uma ação parada há 30 anos. Se não tivesse movimentado, poderia também estar envolvido nesse imbróglio”, disse. No início de sua sustentação, o advogado disse ainda que tinha uma “difícil missão ao não trazer uma carga emocional”, por ser amigo do juiz há duas décadas. O defensor destacou ainda um laudo médico que aponta “risco iminente” de morte pelo qual passa Sérgio Humberto, por sofrer de asma crônica e ter inflamação nos dois pulmões.