Quanto “vale” uma pessoa? Há uma tendência muito difusa de se definir o “valor” de uma pessoa a partir da sua riqueza, profissão, estudo, moradia, aparência, raça, dentre outros fatores. Quando o valor da pessoa humana é definido por tais parâmetros, temos como consequências o desrespeito, a discriminação, a desigualdade, as violações à vida e aos direitos fundamentais. O valor de uma pessoa decorre do fato de ser gente; está inerente à sua condição de ser humano. Toda pessoa humana possui uma dignidade que deve ser reconhecida, defendida e promovida em qualquer condição ou situação em que se encontrar. Não se pode atribuir menor dignidade à vida que se encontra fragilizada. Menor condição de vida ou de saúde não significa menor dignidade. Ao contrário, a vida mais vulnerável necessita de maior atenção e solidariedade. Em última análise, sob o ponto de vista teológico, trata-se de um dom do Criador, que fez o homem e a mulher à sua “imagem e semelhança”. Por isso, a dignidade humana não ocorre por concessão de alguma pessoa ou instituição social; é um dado antropológico a ser reconhecido e tutelado pelas instituições sociais, que não podem jamais ignorá-la ou permitir a sua violação.
A desigualdade em termos de dignidade acarreta desastrosas consequências nos relacionamentos entre as pessoas, na vida familiar e social. Por isso, na base dos direitos humanos está justamente o reconhecimento da comum dignidade das pessoas, isto é, da igualdade em termos de dignidade. Entretanto, a afirmação de que toda pessoa humana tem dignidade inviolável não deve ficar restrita a um princípio geral, mas deve ser traduzida na prática, nos diversos níveis, a começar da vida cotidiana. Temos a exigente e bela tarefa de fazer valer a dignidade de cada pessoa no dia-a-dia, com quem convivemos ou encontramos. Nenhuma pessoa pode ser tratada como coisa ou animal.
Infelizmente, a deterioração dos relacionamentos humanos revela que o desrespeito e a banalização da vida vão se tornando algo natural, incorporados ao cotidiano. Além disso, é preciso assegurar o respeito, a defesa e a promoção da comum dignidade da pessoa, nos diversos campos da vida social, através da ação dos órgãos públicos, das entidades da sociedade civil e das organizações religiosas. Embora as atitudes pessoais e espontâneas sejam sempre muito importantes, são também muito necessárias ações comunitárias e políticas públicas para assegurar o reconhecimento da dignidade e dos direitos de cada pessoa. Isso implica num grande sim à vida e à dignidade humana, que os cristãos e todas as pessoas de boa vontade devem proferir e testemunhar com especial empenho, especialmente neste tempo difícil de pandemia.
Cardeal Dom Sérgio da Rocha é o arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil.