Pais de crianças e jovens das gerações Z (nascidos entre 2000 e 2009) e Alpha (nascidos a partir de 2010) enfrentam diariamente o desafio de lidar com uma geração de nativos digitais, que já nasceu hiperconectada em um mundo com banda larga, smartphones e uma tecnologia acessível como nunca antes na história. Já é possível notar os efeitos de tanta exposição a telas, especialmente no que se refere ao uso problemático de mídias interativas, popularmente conhecido como dependência tecnológica.
De acordo com o Luiz Guimarães, psiquiatra da Holiste, esse tipo de vício se equipara ao causado pelo álcool ou drogas. “O que caracteriza uma dependência é o fato de ter uma consequência danosa e mesmo assim a pessoa continuar repetindo aquele comportamento. O vício em tecnologia age como qualquer outro, pois também libera substâncias no cérebro que aprisionam a pessoa”, elucida.
Dificuldade em se afastar do aparelho, impulsividade e agressividade, sono afetado, queda no desempenho escolar, perda de interesse por outras atividades e não querer sair do quarto são sinais de que a criança ou jovem esteja em processo de dependência tecnológica. Nesse caso, é preciso buscar orientação profissional e acompanhamento especializado.
Consequências – Segundo Nadja Pinho, psicopedagoga da Holiste, não existe um tempo mínimo ou máximo para exposição a telas. “A OMS sugere uma hora de exposição somente a partir do segundo ano. Já a partir dos três anos, não existe um parâmetro, mas deve ser o mínimo possível devido aos estímulos visuais e sonoros, que afetam todo o desenvolvimento da criança”.
As consequências desse tipo de vício são muitas, como explica o psiquiatra: “O cérebro da criança, é um órgão em desenvolvimento e só fica ‘maduro’ em torno dos 22 anos. Quando há uma exposição prolongada a telas, podem ocorrer prejuízos na cognição, atenção, aprendizado, capacidade de entender símbolos (não conseguir interpretar um texto), além de problemas físicos pela falta de exercícios”, explica.
Segundo Luiz, ainda não é possível prever os impactos a longo prazo. “Não temos parâmetros anteriores para comparar. Essa é a primeira geração que nasceu num mundo digital. Mas existem mudanças que já conseguimos perceber”, aponta o psiquiatra. Um dos principais pontos de atenção é o isolamento. “Essa falta de socialização, de convívio social pode acarretar em uma depressão. Já temos casos de crianças na faixa de oito anos apresentando essa dependência tecnológica”, afirma Nadja.
Aula remota – Com a necessidade do isolamento social, as casas viraram escolas e o ensino passou a ser remoto, obrigando crianças e jovens a passarem longos períodos em frente a telas de computadores e celulares. Para Nadja, não é que as telas devam ser execradas, mas sim supervisionadas. “É preciso que os adultos supervisionem, interajam, compartilhem daquele momento com a criança ou o adolescente, para que não se tenha a impressão de que o mundo é só ele e a tela”, recomenda.
Segundo ela, não é possível dizer se a aprendizagem através do ensino remoto é maior ou menor, mas certamente há uma perda. “Pensando que a aprendizagem se dá por um processo, perdemos a questão do compartilhar. Perdemos o convívio, a troca, o aprender fazendo”, comenta a psicopedagoga.
Parentalidade Preventiva – Como uma possível prevenção para o problema, ambos os profissionais apontam a necessidade do acompanhamento familiar. “Uma dependência não se desenvolve do nada. Estamos vivendo em um mundo em que as crianças já nascem com um celular na mão. Esse uso problemático da mídia surge dentro da família, que muitas vezes é ausente ou disfuncional”, pontua Luiz.
Para Nadja, apesar de a pandemia ter intensificado o uso de aparelhos eletrônicos, já acontecia de uma criança ou jovem passar dez horas na frente de uma tela. “É preciso uma supervisão no uso das redes. O que o adolescente quer é estar envolvido, estar em conjunto e isso pode ser propiciado de outra forma que não seja deixar o adolescente à mercê da influência, seja ela física ou virtual”, afirma.
Luiz acredita que devem ser estabelecidos limites e rotinas. “Infelizmente o problema só vem à tona quando já está gritante. Mas muitas vezes pode ser conduzido antes de chegar a este ponto, com orientação sobre o uso dos aparelhos. O tratamento tem que incluir a família também, estabelecer regras como limite de horário, evitar usar celular à mesa também são possibilidades”, comenta.
Foto: Divulgação/Holiste