29 de março de 2024
  • :
  • :

Editorial – A Cidade de Salvador vai desprezar seu Padroeiro?

Editorial – A Cidade de Salvador vai desprezar seu Padroeiro?

No ano de 1686, quando ainda não existia em Salvador a devoção ao Senhor do Bonfim, cuja lavagem teve início em 1773, nem tampouco havia devoção à Santa Dulce dos Pobres e já se tinha escolhido Nossa Senhora da Conceição da Praia como Padroeira da Bahia, a população soteropolitana foi acometida por uma terrível epidemia de febre amarela.

O Colégio dos Jesuítas, localizado no Terreiro de Jesus ao lado da antiga Igreja da Sé (atual Catedral Basílica de Salvador), serviu de refúgio para os doentes. Sob a influência do Padre Antônio Vieira, a Soterópolis recorreu à intercessão de um santo padre da Sociedade de Jesus chamado São Francisco Xavier.

O fato, relatado nas atas do Senado da Câmara Municipal, é que com a bênção do Vaticano, Xavier foi primeiro aclamado pelo povo e depois proclamado pelos vereadores como Padroeiro de Salvador, tendo sua festa instituída no dia 10 de Maio, com a realização de procissão e a celebração de missa em seu louvor. Feito isto pela primeira vez há exatos 333 anos, a epidemia de febre amarela abandonou a cidade.

Em 1759, sob as ordens do Marquês de Pombal, Portugal ordenou a expulsão dos jesuítas do Brasil, mas nem por isso, a devoção a São Francisco Xavier acabou. Tanto que em 1855, durante a epidemia de cólera, mesmo sem a presença dos jesuítas, os soteropolitanos pediram a intercessão do seu Padroeiro e a epidemia foi vencida.

Padroeiro das Missões, socorro dos enfermos e dos navegantes, São Francisco Xavier tem milhares de devotos por todo o mundo, sendo louvado tanto no Ocidente quanto no Oriente.

A perseguição aos jesuítas na Europa e dentro do próprio Vaticano não conseguiu apagar o brilho de Xavier como missionário abnegado, caridoso e com dons milagrosos. Ainda em vida, Xavier foi chamado de “Apóstolo do Oriente”, sendo o primeiro padre a chegar ao Japão, onde neste exato momento se encontra o Papa Francisco e que tem nele, Xavier, e em Assis, as principais inspirações do seu pontificado. O jovem padre Jorge Mario Bergoglio sonhava ser um missionário como Xavier antes de se tornar Papa.

Só no Brasil são mais de 40 igrejas e comunidades católicas dedicadas a Xavier, do Rio Grande do Sul ao Amazonas, sem falar da Escola Naval da Marinha do Brasil, primeira instituição de nível superior do País, construída sobre a Fortaleza de São Francisco Xavier, na cidade do Rio de Janeiro.

É sabido que a devoção a Xavier em Salvador é a mais antiga do Brasil, mantida honrosamente pela Câmara Municipal por mais de três séculos, mas não tem a adesão popular de outrora.

Mesmo assim, todos os anos, no dia 10 de Maio, há 333 anos tem acontecido a procissão com a Relíquia de Xavier saindo da Câmara em direção à Catedral Basílica. Em outras palavras, o Legislativo Municipal de Salvador tem até então cumprido a sua promessa com o Santo e com a cidade.

A ausência dos católicos no Dia do Padroeiro é tamanha que o vereador Sérgio Nogueira (PSDB) chegou a apresentar nesta terça-feira, 19 de novembro de 2019, um projeto de lei que substitui o Padroeiro por uma Padroeira: propõe trocar São Francisco Xavier por Santa Dulce dos Pobres.

Muitos devem pensar que temos um Padroeiro “sem prestígio”, por isso, deve ser melhor trocar essa velha devoção de mais de três séculos por uma devoção atual, “novinha em folha”.

Esses católicos não devem saber da presença de Xavier no monumental Padrão aos Descobrimentos em Lisboa, Portugal. Talvez não saibam que o dia 3 de dezembro, Dia Litúrgico de “Javier” é também o Dia da Navarra, na Espanha, quando milhares de devotos fazem peregrinações ao castelo da sua família. Nunca devem ter ouvido falar de Gôa, na Índia, onde o corpo de Xavier encontra-se preservado. Nem devem saber do monumento a Xavier na Prefeitura de Oita, no Japão. Talvez ignorem as milhares de faculdades e colégios dedicados a São Francisco Xavier nas Américas do Norte, Central e do Sul.

Lamentavelmente, não percebem que São Francisco Xavier, como a Cidade do Salvador, é cosmopolita e “não sai de moda”.

O NewsBA considera a devoção a Santa Dulce dos Pobres, primeira santa do Brasil, digna de todas as homenagens. Como santos, Xavier e Dulce sempre vão inspirar outras vidas a seguir o exemplo de Jesus Cristo. Isto é o que de fato importa perante Deus e aos homens.

E no lugar da ideia estapafúrdia da substituição de Padroeiros – alimentada por nossa ignorância histórica e nossa falência moral -, podemos buscar a concórdia e fazer justiça a Santa Dulce dos Pobres criando-se o honroso posto de Co-Padroeira. Dizem os antigos que o que vem de Deus agrega os seus filhos e filhas e não os divide ou espalha.

Trocar o Padroeiro seria o mesmo que apagar 333 anos de história e cultura religiosas preservadas da nossa Cidade, desprezando inclusive o esforço da própria Câmara de Salvador ao longo de todo este tempo.

Ou podemos derrubar a Catedral Basílica dos jesuítas e reconstruir no lugar uma nova Catedral dedicada a Santa Dulce dos Pobres sem prejuízo algum aos católicos soteropolitanos e de todo o mundo?

São Francisco Xavier mereceria o nosso desprezo diante da devoção a Santa Dulce dos Pobres? O Velho Padroeiro, que nos ajudou a chegar até aqui, não merece mais o nosso reconhecimento e nossas homenagens?

Os católicos de Salvador são chamados a responder essas questões. O período é propício: no dia 03 de dezembro o Vaticano comemora o Dia Litúrgico de São Francisco Xavier e sua Novena terá início no dia 25 de novembro, data que marca a distância de um mês do Natal.

Na contramão do pensamento do vereador Sérgio Nogueira, o vereador Joceval Rodrigues (Cidadania) apresentou o projeto de lei 246/2019 já aprovado pela Câmara de Salvador, que torna as cidades de Salvador e Javier, na Espanha, Cidades-Irmãs. O título tem fundamento justamente no fato do nosso padroeiro São Francisco Xavier ter nascido no Castelo de Javier, na Navarra, e Salvador possuir uma das maiores colônias de espanhóis do mundo, onde sobrenomes como Garrido, Nuñes, Carballal, Fernandez, Del Carmen, Albán, dentre outros, já se encontram tão naturalizados entre a nossa gente.

Daqui a três anos, São Francisco Xavier e Santo Inácio de Loyola, os dois grandes santos jesuítas, vão completar 400 anos de canonização. A Cidade do Salvador, vocacionada para ser sempre a primeira, pode ainda fugir ao triste e mesquinho desatino de trocar de Padroeiro. Se fizer isto, Prefeito e vereadores de Salvador irão se apequenar perante católicos de todo o mundo. Será um escândalo que vai ecoar em igrejas e catedrais de outros lugares. Até porque nada garante que daqui a trezentos anos a Câmara de Salvador não queira de novo trocar a Padoreira por outro Santo ou Santa que venha a se tornar mais popular.

Aos católicos soteropolitanos cabe a missão de tomar a devoção a São Francisco Xavier das mãos dos vereadores, mantê-lo como Padroeiro e preservar sua Festa no dia 10 de Maio, mas uma tradição realmente precisa ser quebrada: a festa deve ser feita pelos católicos de Salvador tendo início, quem sabe, de uma Igreja jesuíta à outra, e não mais passando pelo Legislativo Municipal.

Foto: Antônio Queirós/CMS




Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *