A Câmara dos Deputados tem pelo menos 443 lobistas credenciados para circular pelos gabinetes de parlamentares e plenários das comissões. O número total, porém, é incerto porque outros conseguem crachás com autorização de deputados ou simplesmente entram acompanhados por eles.
Há, ainda, aqueles que se identificam na portaria como visitantes de um determinado gabinete e, uma vez lá dentro, transitam livremente.
Um projeto de lei em tramitação na Câmara pretende regulamentar a atividade com regras para a atuação no Legislativo e no Executivo dos chamados profissionais de relações governamentais ou institucionais.
O texto está na pauta de votações desta terça-feira (28), mas, em uma semana mais curta por causa do feriado de Páscoa na sexta-feira (30), a aprovação dependerá de quórum no plenário (saiba mais abaixo os detalhes do projeto).
A regulamentação do lobby vem sendo discutida há cerca de 30 anos pelo Congresso, sem avançar. Lobistas profissionais e especialistas ouvidos pelo G1 defendem a adoção de critérios claros para a atividade a fim de dar transparência ao trabalho na área. Em diversos países, como nos Estados Unidos, já é regulamentada.
Na Câmara, a Primeira Secretaria, responsável pelos credenciamentos, explica que tem controle somente sobre as credenciais concedidas conforme as regras da Casa.
Atualmente, há representantes de 335 sindicatos e entidades de âmbito nacional e de mais 108 órgãos públicos, entre os quais a Justiça Federal e a Marinha, totalizando 443.
Outras 55 pessoas têm credenciais fornecidas a pedido de deputados, mas não necessariamente para realizar lobby. Cada parlamentar tem direito a indicar um assessor para prestar serviços sem vínculo trabalhista. A possibilidade é usada, então, por lobistas para solicitar uma credencial.
O lobby consiste em intermediar interesses de empresas, entidades e organizações não-governamentais junto a integrantes do poder público, como governos, prefeituras e casas legislativas.
No mês passado, o Ministério do Trabalho incluiu o lobby na lista de atividades reconhecidas como ocupação. Embora seja legal, não há uma lei específica que determine o que pode ou não ser feito por esse profissional.
A inclusão na lista trazida pela Classificação Brasileira de Ocupações deve, na prática, agilizar a regulamentação, acredita Rodrigo Navarro, coordenador do MBA em Relações Governamentais da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Ele pondera que o projeto em análise é um “primeiro passo” no sentido de o país se adequar a iniciativas internacionais, mas que, depois, deverá ser aperfeiçoado. “Existe uma bala de prata que acabe com qualquer tipo de problema de relação entre setor privado e público? Claro que não, mas esse projeto é um primeiro passo”, diz.
Segundo Navarro, existe atualmente regulação em 24 países. Na América do Sul, somente o Chile tem regras definidas para a atuação do setor.
O Parlamento Europeu, por exemplo, tem uma página na internet em que é possível consultar quantos lobistas estão cadastrados, quais os setores que mais fazem lobby e até mesmo a agenda de encontro com autoridades.
Navarro avalia que, no Brasil, a profissão de lobista ganhou tom pejorativo porque fica em evidência especialmente quando é mencionada em investigações de corrupção.
Ele entende que a regulamentação irá desmitificar isso com a ajuda de toda uma legislação existente que regula a interação entre agentes públicos e privados, como a Lei de Conflito de Interesse, o Código de Ética dos Servidores, a Lei de Enriquecimento Ilícito e a Lei de Defesa da Concorrência.
Estimativa da Associação Brasileira de Relações Institucionais (Abrig) aponta que há cerca de 4 mil profissionais trabalhando com lobby no Brasil. O presidente da entidade, Guilherme Cunha Costa, diz que a regulamentação permitirá não só que se conheça melhor o universo de profissionais como trará mais equilíbrio de forças para a discussão.
“É legítimo que todas as partes que serão impactadas por uma decisão participem do processo. Com a regulamentação, esses profissionais virão para a formalidade. As regras claras vão equilibrar o debate, dar legitimidade para o profissional e garantia para a autoridade. E a sociedade poderá acompanhar a movimentação”, diz.
Para Lídia Parente, representante da SOS Mata Atlântica e integrante da Frente Parlamentar Ambientalista, as regras para o setor serão importantes. “Vai fazer toda a diferença para o nosso trabalho, porque, se não existissem esses grupos atuando no Congresso, a sociedade iria estar com um monte de projeto tendo que engolir a seco, sem conhecimento sobre o que está sendo votado”, observa.
Roberto Bucar, assessor parlamentar da Associação Nacional dos Servidores da justiça do Trabalho (Anajustra) e que também trabalha com relações governamentais há muitos anos, concorda. “A partir do momento em que é explícito, legalizado, sabemos os limites de ação”, diz.
Pesquisa recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre o lobby no Congresso Nacional mostra que há uma tendência de profissionalização da atividade no Brasil. No estudo, foram ouvidos representantes de parte das entidades cadastradas na Câmara para compreender o comportamento dos grupos de interesse.
Eles apontaram que o trabalho está centrado na troca e na disseminação de informações. A pesquisa ressalva que ainda há poucos estudos na área para ter maior clareza acerca do grau de efetividade da influência exercida por esses grupos.
O projeto de lei em discussão na Câmara autoriza que os lobistas recebam credenciamento e tenham livre trânsito nos órgãos públicos.
O agente público que receber qualquer vantagem, financeira ou não, para atender ao pleito de algum setor será enquadrado em ato de improbidade, cujas punições incluem perda da função pública e suspensão dos direitos políticos.
O texto deixa claro que o presidente da República não pode exercer a atividade no período de quatro anos após o mandato.