Pelo menos um dos desejos de Frans Krajcberg, falecido no último dia 15 de novembro, no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, será realizado. No próximo domingo, às 10h, as cinzas do artista, que foi cremado na capital carioca, serão depositadas no tronco de uma árvore, escolhida por ele, no sítio Natura, no município de Nova Viçosa, no extremo sul da Bahia, onde ele vivia desde 1972.
A cerimônia está sendo organizada por cinco dos antigos colaboradores do artista, escolhidos por ele, em vida, para fazer valer seus desejos após sua morte: Márcia Barrozo do Amaral, amiga e marchand do artista; Marlene Figueiredo Gonçalves, sua secretária particular; Carlos Roberto Monteiro, policial militar que ajudava a manter a segurança do sítio; Oraldo do Nascimento Costa, primeiro assistente de Krajcberg e Ernani Griffo Ribeiro, seu advogado.
São estes cinco amigos também os escolhidos pelo artista para constar no testamento feito por ele em 2015, seis anos após a doação de todo seu patrimônio ao governo do Estado da Bahia, em 2009. O documento, que tem como testador o próprio advogado Ernani Griffo Ribeiro, segundo ele, foi registrado na Comarca de Nova Viçosa.
Despesas – No testamento, Frans Krajcberg delega ao quinteto a missão de comercializar algumas de suas obras com o único e exclusivo fim de custear as despesas hospitalares e os gastos com a cremação. A conta do hospital ainda não foi quitada. Segundo o advogado, isso só será possível mais adiante, quando o levantamento da dívida for totalmente fechado e o inventário aberto. “Já protocolamos o testamento para que este seja aberto na presença de um juiz e daí iremos aguardar o andamento do processo judicial”, diz Griffo.
No documento, segundo a secretária do artista, Marlene Figueiredo, os cinco “herdeiros” não terão direito a bens pessoais. Terão sim, a responsabilidade de garantir a manutenção do sítio, além de acompanhar e cobrar do Governo do Estado, a implantação do museu-fundação acordado em 2009 quando o polonês doou o imóvel e cerca de mil obras de seu acervo ao poder público estadual para que lá fossem erguidos dois novos prédios para abrigar suas peças e instalado um museu-fundação aberto ao público.
Testamento – “Neste testamento, o Krajcberg deixa registrado pós-morte o que nós já fazíamos enquanto ele estava vivo, que era ajudá-lo a administrar sua obra. Agora nosso papel é continuarmos juntos, mantendo viva sua memória artística, perpetuando sua espetacular obra”, conta Márcia Barrozo do Amaral, marchand do artista de origem polonesa.
Segundo Márcia Barrozo, caberá a ela, juntamente com a secretária Marlene, continuar a catalogação do acervo espalhado pelo mundo, manter contato com instituições e colecionadores etc. “O Ernani continuará cuidando da parte jurídica, o Oraldo, que era o braço-direito do Krajcberg na confecção das peças, continuará, como era desejo do artista, cuidar da parte técnica, ou seja, garantir a autenticidade das obras e restaurá-las quando necessário. Enquanto o Roberto Magalhães, continuará atuando na segurança.
Na semana passada, enquanto os trâmites burocráticos para a cremação eram resolvidos no Rio, dois museólogos do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia (IPAC), foram enviados à Nova Viçosa para fazer um levantamento do acervo. “A equipe está no sítio fazendo o inventário das obras e apresentará um relatório que servirá de base para o documento de instalação do Conselho de Administração que será publicado no Diário Oficial, num prazo de 21 dias”, explica o diretor-geral do órgão, João Carlos Oliveira.
De acordo com o gestor público, ao contrário do que foi especulado desde que a doação foi feita, o Estado só poderia tomar posse dos bens após a morte do artista. “O que foi feito foi uma doação pós-morte, não poderíamos fazer o arrolamento do acervo porque o artista precisava vender suas obras para se manter”, diz.
Patrimônio do Estado – O próprio artista cobrou publicamente, em várias de suas entrevistas, uma atitude do governo estadual com relação a instalação do museu, visto que o Sítio Natura foi incorporado ao patrimônio do estado em 17 de agosto de 2009 e registrado como Museu Artístico e Ecológico Frans Krajcberg.
Griffo confirma que Krajcberg, que era muito reservado, não permitiu a mão do estado lá dentro enquanto viveu, mas que esperava que o governo tivesse feito, pelo menos, as obras físicas do museu, como a construção dos dois novos prédios sugeridos como contrapartida à doação do seu patrimônio: “Ele tinha o usufruto do patrimônio, mas algumas coisas já poderiam ter sido feitas, especialmente no que concerne a estrutura física”.
Além do sítio e do acervo, o artista teria deixado ainda um apartamento na Urca, no Rio de Janeiro. Segundo o testador, tanto este imóvel como qualquer outro bem que possa vir a aparecer, também será incorporado ao patrimônio do Estado. “Era o desejo dele que todo o seu patrimônio fosse usado para a preservação de sua obra, essa é a minha leitura. No testamento, ele não beneficia nenhuma pessoa, nem outra instituição qualquer, apenas nos dá a missão de ajudar a manter viva sua memória artística”, diz o advogado.
Isso significa que os cinco amigos citados no testamento formarão uma comissão que ficará responsável por ajudar a gerir o museu-fundação. Segundo Marlene Figueiredo, até o momento ainda não houve diálogo com o governo. “Apenas conversas informais com os museólogos que estiveram no sítio para o primeiro levantamento das obras”.
A ideia, segundo a secretária, é que nos próximos dias seja marcada uma reunião entre os representantes do poder público e a equipe instituída pelo artista no seu testamento para discutirem os procedimentos legais. Será neste encontro que o governo do estado será informado, oficialmente, dos termos do testamento.
Ainda segundo o advogado, tão logo o artista teria registrado o testamento, teria feito também uma ratificação na escritura de doação onde teria incluído algumas condicionantes, dentre elas, a inclusão da comissão formada pelos cinco amigos que constam no testamento, como partícipes da gestão do empreendimento.
O diretor-geral do Ipac, João Carlos Oliveira diz não ter conhecimento deste ou de outro procedimento, como o testamento, mas garante que o diálogo com a equipe de colaboradores do artista será o melhor possível. “Nosso objetivo é fazer valer seu desejo e perpetuar sua obra grandiosa no mundo inteiro”, diz.
Somente a partir das primeiras conversas com a comissão que o Estado irá se pronunciar. “Até lá, não temos elementos para falar sobre o assunto”, diz o diretor do Ipac. Em nota, o governo informou que, de imediato, o Estado está fazendo a preservação de seu acervo e do museu por ele criado em Nova Viçosa. “Ao mesmo tempo, está sendo feito o cadastramento do acervo, também em Nova Viçosa. A médio prazo, além da manutenção do museu e do sítio de Nova Viçosa, será instalado um novo Museu FK em Salvador, no Wanderlei de Pinho ou em área mais central da cidade, ainda a definir”, informa a nota.
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