2 de maio de 2024
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Barroso, Dodge, Moro e Bretas defendem democracia brasileira em Harvard

Barroso, Dodge, Moro e Bretas defendem democracia brasileira em Harvard

Em um discurso otimista, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, fez um balanço positivo dos 30 anos de Constituição celebrados em 2018 e traçou os caminhos que considera importantes para enfrentar a corrupção no Brasil. O ministro falou durante o “Harvard Law Brazilian Association Legal Symposium”, congresso anual organizado por alunos e ex-alunos brasileiros da Escola de Direito de Harvard, na manhã desta segunda-feira (16).

Participam também do evento a procuradora-geral da República Raquel Dodge e os juízes federais Sérgio Moro e Marcelo Bretas, responsáveis pela Lava Jato em Curitiba e Rio de Janeiro, respectivamente, e a procuradora-geral Raquel Dodge.

Barroso comparou a luta do País contra a corrupção a um viciado em drogas tentado se livrar da adicção, no que considera uma “boa alegoria para o Brasil”.

Ele citou um indivíduo cujo vício em drogas está fazendo muito mal a ele, mas “ninguém percebe que ele é um viciado”. “No primeiro momento em que ele decide lutar contra o vício, a vida fica bem pior”, ilustrou Barroso, citando o processo de abstinência e desintoxicação.

“Nós estávamos viciados com o jeito de fazer negócios e política, que era muito corrupto, mas estamos no processo de perceber a gravidade do problema e começar a fazer a desintoxicação para nos livrarmos do problema”, disse o ministro do STF. “Estamos aprendendo com grande dificuldade a criar novas formas de fazer política e negócios no Brasil”.

“O velho tem que sair e o novo ainda esta crescendo”, afirmou Barroso.

“Apesar de termos feito muito progresso, ainda não mudaram as causas da corrupção no Brasil”, ressaltou, porém, o ministro, citando o sistema político que ainda privilegia a “distribuição de favores”.

Sociedade – “Percebemos que a corrupção no Brasil não é causada por falhas individuais. É um sistema corrupto de coleção e redistribuição de recursos”, afirmou Barroso, citando um “pacto oligárquico” que envolve empresas privadas, estatais e líderes políticos, para “saquear o Estado”.Ele elogiou, no entanto, a pressão da “sociedade civil”.

“Provavelmente nenhum país do mundo teve a coragem de expor um problema maior como esse para enfrentá-lo”, disse. “O que é novo no Brasil é a reação da sociedade civil. As pessoas não estão mais aceitando o que era inaceitável”, discursou.

“Minha percepção é que a sociedade civil está pressionando as instituições e temos que corresponder à sociedade civil”, defendeu o ministro do STF, criticado por seu “ativismo” político.

“Há pessoas representantes da velha ordem que querem manter as coisas como sempre foram”, afirmou também, classificando-as como “muito poderosas” e presentes nas “altas esferas do governo” e na “imprensa”.

“É uma batalha contínua e a velha ordem tem muitos grupos tentando manter as coisas como sempre foram”, disse Barroso. “As pessoas não querem ser punidaa pelas várias coisas erradas que fizeram por tantos anos porque tinham certezas de que não seriam punidas”.

Mas, para o ministro, “o País mudou, o trem saiu da estação e a semente foi plantada”. “Estou muito convencido que nada será como antes no Brasil”, projetou, otimista.

“Essa é uma batalha que ganharemos por pontos e não por nocaute”, ilustrou ainda Barroso. “É preciso perseverança”, declarou, logo antes de citar a metáfora do viciado em drogas.

Barroso disse que para se combater a corrupção é necessário “criar instituições inclusivas no Brasil”. Ele reconheceu a existência atual de uma “conjuntura crítica” com uma “horrível tempestade ética, política e econômica”. Mas afirmou que “estamos na iminência de uma profunda revolução pacífica no Brasil” no campo da ética.

Barroso entende que “não devemos pensar que vamos mudar o Brasil com leis criminais e punição” e que essa é apenas “parte da solução”.

O ministro do Supremo defendeu que “o Brasil precisa desesperadamente de uma reforma política que pode reduzir os custos eleitorais”. Ele citou como “pontos negativos” os atuais sistemas político, eleitoral e partidário.

“A eleição para a Câmara dos Deputados custa quatro a cinco vezes a quantidade que o deputado poderá receber legitimamente nos quatro anos como parlamentar”, disse. “Esse vácuo entre o custo e o quanto ele pode receber faz com que o representante busque essa quantia em algum outro lugar. Aí que o problema começa”, opinou.

Barroso também criticou o sistema de lista aberta em que o eleitor “vota em quem quiser, mas elege alguém que não sabe quem é porque o voto vai ao partido”. O ministro afirmou que “10% dos membros do Congresso são eleitos com seus próprios votos e 90% são eleitos pelos votos do partido”.

“O votante não sabe quem está elegendo e o parlamentar não sabe quem o elegeu”, lamentou.

Constituição – O ministro da Suprema Corte brasileira disse que não é necessário uma nova Constituição para resolver os problemas atuais do País. “Não é o tempo, não é conveniente”, opinou. Para ele, a Carta magna do País “não é a ideal, mas foi muito bem sucedida em tirar o Brasil de um regime autoritário”.

“Trinta anos de estabilidade institucional é uma conquista que devemos celebrar”, defendeu, ressaltando que o País enfrentou vários desafios desde 1988, como “mensalão, petrolão, lava jato, dois impeachments e, ainda assim, ninguém cogitou, até agora, qualquer solução que não fosse por vias constitucionais”, disse.

Barroso elogiou a conquista da estabilidade monetária no Brasil. “A estabilidade fiscal não tem ideologia de esquerda ou de direita”, afirmou. “A irresponsabilidade fiscal é sempre prejudicial aos pobres. Essa é uma lição que ainda estamos aprendendo”, declarou.

O ministro avaliou positivamente também a “ascensão social” dos últimos anos e a saída de milhares de brasileiros da extrema pobreza. “Eu sou muito otimista com as coisas que têm acontecido no Brasil”, garantiu.

Barroso destacou ainda positivamente a “proteção” que minorias encontraram no Judiciário para a proteção de seus direitos, citando a comunidade LGBT – “o casamento gay (hoje legal no País) era impensável 30 anos atrás”, disse – e a demarcação de terras indígenas: “quando você demarca terras indígenas, você está protegendo o meio ambiente porque elas não são desmatadas”, opinou o ministro do STF.

O magistrado citou também como iniciativas elogiáveis as proibições das festas típicas da farra do boi e da vaquejada, em defesa da “ética animal”, pauta que “está na agenda de qualquer país progressista”.

Barroso citou também decisões do STF as quais considera “erros”, como a manutenção do que chamou de “monopólio” do ensino religioso nas escolas e e a liberação de cláusula de barreiras que permitiu a criação de diversos partidos.

Questionado após a palestra se considera um perigo a ascensão de grupos militares na participação da vida política do País, Barroso disse que “não vê perigo de golpe militar nem nada do gênero”.

“Aprendemos nossa lição e eles (militares) aprenderam a lição deles”, declarou. Citando as “ditaduras militares, de tecnocratas, e de fundamentalistas religiosos”, Barroso disse que “não há melhor alternativa do que a democracia”

“(A Ditadura Militar) é um fantasmas do qual nos livramos”, garantiu o ministro.

A recente intervenção federal-militar no Rio de Janeiro e as frases do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, na véspera do julgamento pelo STF de um pedido de “habeas corpus” preventivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) trouxeram à tona a discussão sobre a participação política das forças armadas. Villas Bôas disse no Twitter, em 3 de abril, que o Exército “julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade” e “se mantém atento às suas missões institucionais”.

Sergio Moro – Pouco mais de uma semana após ter ordenado a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o juiz Sergio Moro afirmou nesta segunda (16) que a democracia brasileira não está em risco.

“Vou ser claro: a democracia não está em risco no Brasil. Absolutamente não. O que está acontecendo é a luta pelo Estado de Direito”, declarou. “Eu acho que é exatamente o oposto. Ao final, nós teremos uma democracia mais forte, e uma economia ainda mais forte.”

Moro pediu licença para fazer um “comentário inicial sobre o que está acontecendo” ao participar de um painel sobre crimes de colarinho branco na Universidade de Harvard, nos EUA.

“É importante dizer algumas coisas, porque o mundo está prestando atenção”, comentou, em referência, ainda que não explícita, à recente prisão do líder petista.

Diante de uma plateia de juízes, procuradores e estudantes de direito brasileiros, o magistrado afirmou que há dois jeitos de encarar a situação do Brasil neste momento: uma, com vergonha. Outra, com orgulho.

“Há alguma razão para estarmos orgulhosos, não de um juiz ou de alguns procuradores, mas do povo brasileiro como um todo”, afirmou, lembrando dos protestos contra a corrupção ocorridos nos últimos anos.

O juiz citou ainda um discurso do então presidente americano Theodore Roosevelt, em 1903, que afirmou que “a exposição e punição da corrupção pública é uma honra para uma nação, e não uma desgraça”. Moro já havia mencionado o mesmo discurso em um vídeo que divulgou na noite anterior às eleições em 2016.

“Eu acho que isso define o que boa parte do povo brasileiro pensa neste momento”, disse.

Abordado pela Folha, Moro não quis comentar a invasão ao tríplex no Guarujá que é atribuído ao ex-presidente Lula, sob o argumento que poderá ter que se posicionar sobre o episódio nos autos no futuro.
O magistrado ainda reconheceu, durante o painel, que alguns acordos de delação premiada firmados no decorrer da Lava Jato foram “muito leves” —mas que eram a alternativa possível diante do histórico de impunidade em casos de corrupção.

“É preciso levar em conta as condições de negociação dos procuradores”, afirmou. “Eu concordo que alguns [acordos] poderiam ter sido mais duros, mas às vezes é difícil.”

Moro ainda voltou a defender o fim do foro privilegiado, inclusive para juízes, e declarou ser a favor de uma emenda constitucional para acabar com a ferramenta, que chamou de “um escudo contra a responsabilização”. Foi aplaudido pela plateia.

O tema irá voltar a julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) no dia 2 de maio.

Perguntado pela imprensa se o fim da prerrogativa de foro não poderia aumentar o risco de influência política no Judiciário, em processos contra prefeitos e vereadores pelo interior do país, o juiz afirmou que toda mudança “tem benefícios e, eventualmente, efeitos colaterais”.

“Aí precisa de transparência. Você tem o juiz, o promotor, a sociedade civil local”, comentou.




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